Por: Rangel Alves da Costa(*)
LEI
DO JOÃO
Art. 1º. João,
ou qualquer outro homem, será regido por esta lei. Mas esta lei é regida por
outra, onde se demonstra que somente a mulher tem direitos. Portanto, João,
você é um nada nos termos da lei. Desta e da outra.
Art. 2º. João,
se contente em parecer descrito num poema drummondiano: “Está sem mulher, está
sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já
não pode, a noite esfriou...”. Porque você está preso, João!
Art. 3º. João,
coisa difícil de dizer, mas nem todos são iguais perante a lei, nem todos
possuem direitos na mesma proporção. Aquilo que lhe restava como escudo, que
era o princípio da inocência, não possui mais nenhum valor.
Art. 4º. João,
juro que tenho pena de você. Nada do que diga ou faça terá qualquer valia
diante da lei. Basta que sua mulher cisme de lhe colocar na cadeia e pronto.
Ninguém vai ouvir você, somente ela. E o que ela disser será tido como a pedra
da verdade.
Art. 5º. João,
todo mundo sabe que sua mulher lhe ameaça, mas é ela quem vai dizer na delegacia
que é santa, que é um anjo de candura, e que você não vale nada, que anda
armado, vive prometendo fazer o pior. E automaticamente você será caçado como
um monstro.
Art. 6º. João,
nada adianta mais João. Com a força da lei, usando de seus instrumentos, sua
mulher manda e desmanda, faz o que bem entende e você não pode dizer
absolutamente nada. Ora, basta ela chegar à delegacia e mentir descaradamente.
E será o seu fim João.
Art. 7º. João,
muito cuidado com sua mulher João. Corra se ela quiser lhe bater, entre debaixo
da cama se ela ameaçar, grite por socorro quando ela estiver com arma na mão.
Corra João, corra e corra. Do contrário, ela vai lhe estraçalhar e depois vai
correndo à delegacia contar que foi agredida, injuriada, maltratada. E somente
ela será acreditada. E você, além de todo arrebatando, será preso e processado.
Art. 8º. João,
cuidado com a vida João. Lembra-se daquela história sobre dormir com inimigo?
Pois é sua realidade. E não só inimiga como dona de você, aquela que lhe faz
rastejar quando quiser, lhe bate no lombo, lhe dá vassourada, zomba de sua
cara, achincalha. E você tem de suportar tudo calado, pois ela já disse que se
abrir a boca vai correndo à delegacia fazer o bom uso da lei.
Art. 9º. João,
fique bem atento para o que a lei diz sobre você e sua madama. Ela é uma santa
e você um bicho; ela é uma pobrezinha e você perigoso demais; ela é doce como
mel e você um envenenado; ela nunca abre a boca para ferir e você não faz outra
coisa; ela é calma demais, impossível de qualquer maldade contra você. Já
você...
Art. 10. João,
nem sair dessa você pode mais. Nem pense em reclamar que a carne está queimada
ou salgada demais; de jeito nenhum se meta em dizer que ela está errada ou que
está feia; faça o que ela mandar; faça sempre o que ela quiser. Ou faz assim ou
ela poderá fazer uso da lei. Basta chegar à delegacia e dizer o que quiser e
você está ferrado.
Art. 11. João,
infelizmente você vai ter de suportar tudo na vida para não ser enquadrado na
lei. A lei vive vigiando você, olhando como anda, o que faz, o que deixou de
fazer, aquilo que nem imaginou. E como a lei é sua mulher, é na sua cartilha
que você deve rezar. Ou faz como ela quer ou será trancafiado sem direito a
dizer nada, pois a lei já antecipou o monstro que você é.
Art. 12. João,
a verdade é que não adianta você pensar que terá direito de se defender, de
dizer que quem errou foi ela, que quem ameaça é ela, que quem provoca é ela.
Impossível fazer isso João, pois a polícia não quer nem saber se você apanhou
de vassoura ou de marreta, bastando apenas que ela diga que você a agrediu. E
pronto. Será a sua palavra contra a dela. E somente a dela é acreditada.
Art. 13. João,
meu amigo João, sei que dói, mas agora vou revelar o pior. Por mais que sua
mulher seja uma jararaca, o que ela disser contra você terá a força de sentença
e pena. Será preso, processado, certamente pegará pena. E quem julga o crime
que não cometeu geralmente é uma mulher.
Aí João, só
mesmo Deus. Ou sua mulher. Basta que ela seja honesta para assumir os erros e
menos desonesta pelo fato de ter a seu favor uma lei que muitas vezes acoberta
e protege as verdadeiras culpadas pela violência doméstica e pelos desacertos
conjugais.
Ah, ia
esquecendo João: Se ela quiser por muito tempo você não vai poder nem passar
pela porta da casa que tanto lutou para adquirir. Basta dizer que tem medo de
você e a justiça deixará o lar completamente livre pra ela fazer, sozinha, o
que quiser.
Mas é a lei,
João. É a lei... Chore não João, chore não...
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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