Por: Rangel Alves da Costa(*)
Guardo velhas
canções, antigas cantigas, para cantar contigo sobre a relva do entardecer ou
em qualquer canto da vida que nos queira receber.
Guardo
raridades de baú e de singelezas. Como pode um peixe vivo viver fora de água
fria, como poderei viver, como poderei viver, sem a sua, sem a sua, sem a sua
companhia...
Guardo jóias
douradas, rebuscadas. Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu
mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só pra ver, só
pra ver meu bem passar...
Mas nossa
música é silenciosa, é cantiga de cantar a dois, ainda que dois meninos bailando
nas rodas da noite, valsando cirandas embaixo da lua que avistamos em qualquer
lugar.
Música lenta,
suave, apenas a plangência de um canto sem voz, apenas ouvido no acorde que o
pensamento dedilhar, que a mente chamar de noturno e fazer ecoar.
Quero uma
cantiga para cantar contigo, meu amor. Quero uma cantiga para bailar contigo,
meu bem querer. Quero uma cantiga para valsar contigo quando a noite chuvosa
chegar à janela aberta.
As cigarras
calam diante da melodia, os pirilampos adormecidos ressurgem para ouvir tanto
canto. E no silêncio da noite, sem outro ouvir que não a cantiga, sentiremos as
vozes interiores repetindo aquilo que ao coração contagia.
Lábio na boca
para tirar batom, mão sobre o corpo para rasgar a roupa, olhos fechados de
tanto enxergar, a pele queimando o que nos resta de mácula, porque ouvir a
cantiga exige a nudez e a despida verdade dos sentimentos.
Era sempre
assim, meu amor. Sempre assim que nos encontrávamos para o baile de cada noite.
A tarde sumia, as sombras da noite chegavam, as portas se abriam, nossos passos
corriam, e de repente a melodia do desejo nos fazia leves, esvoaçantes,
bailando um dentro do outro.
Uma noite a
música se fez canto, porém sozinha. Nessa noite não houve prelúdio nem noturno,
as serenatas foram para outras janelas, o coro da brisa rumou sem destino.
Apenas a janela aberta, mas nenhuma porta se abrindo, nenhum passo chegando. A
música calou sozinha.
Eis que os
ecos tropeçam na ventania, os cantos sussurros engasgam na garganta presa, as
vitrolas roubam as músicas para o seu amor, os pássaros silenciam os gorjeios,
as cantigas somem quando não há mais quem ouvir. E já não ouvíamos mais
qualquer canção.
Eu disse que o
amor é canção, que se repete e some quando já não interessa; você disse que o
amor é cantiga que vai embora se já não agrada mais. Resolvemos inventar uma
nova cantiga, uma nova canção. Mas os meus versos contradiziam os seus.
Abertos os baús
da memória e recordação, escancaradas as janelas, pulsantes os corações,
entoadas as serenatas, eis que as noites valsam debaixo da lua estrelada. Como
eu gostaria que tudo se repetisse.
Ao longe vindo
a valsa, ouvir a brisa trazendo melodia de relembrança. São acordes imaginários
que se tornam reais nesse imenso salão da tarde, nesse piso de dança do
entardecer onde me envolvo no baile sem os braços teus.
A noite tem
sua música própria. Serenatas, noturnos, sonatas. Eis que tenho de ouvir uma
tristeza de piano, uma solidão ao violino. A lua nada mais é que brilhoso
cristal para a valsa da noite; a noite um prelúdio de despedida.
Aprendi a
cantar assim, meu amor. De tanto ouvir as danças do pensamento, as valsas das
recordações, eis que transformei os versos da melancolia acabei numa música só:
Singrar jamais, partir jamais. Ao cais, ao cais...
Queria uma
cantiga agora. Apenas uma. E um perfumado sopro do seu lábio cantante...
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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