Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
REDE DO PESCADOR (COLHENDO OS FRUTOS NAS ÁGUAS DA VIDA)
Todos os dias,
logo ao entardecer, a rede é arremessada ao rio. Bem que poderia logo ao
alvorecer, instante em que os peixes começam a fazer seus itinerários e os
cardumes se reúnem para a festa do vai e vem, mas prefere-se o arrefecer do sol
porque melhor se justifica o que for pescado.
Com as águas
mansas, a temperatura amena, a esperança brilhando no olhar, rotineiramente o
pescador segue em busca de sua sorte. Vai com destino certo, beirando uma
imensidão de abundâncias, na certeza que enfim aquele será o momento da tão
esperada colheita nas águas da vida, no leito de sua existência.
Mas será que
falo apenas das águas dos rios, mares, lagoas, e do mesmo modo me refiro
somente à pescaria de animais aquáticos, tais como vermelhas, robalos,
lambaris, corvinas e outras espécies? E ainda, será que ao falar em pescador
cito apenas aquele que arremessa a tarrafa, estende o anzol com isca, faz
arrastão?

Logicamente
que não. As águas aqui citadas são as do grande oceano da vida, são aquelas
espalhadas pela terra e caminhos, gotejando pelo asfalto e construções, se
derramando no dia a dia do homem. Os peixes são as situações da existência, os
sentimentos, as lutas, as vitórias, as derrotas.
E pescador é
cada um que vive na beirada ou dentro dessas águas tantas procurando pescar
segundo o seu merecimento. E vendo frutificar o que merece porque seria injusto
que os mares da vida alimentem da mesma forma o pescador sem virtudes, sem
senso humanista, sem respeito às regras do convívio social, e, do outro lado,
aquele que pauta pela dignidade em sua amplitude.
São metáforas,
sim. Contudo, a transferência de significação serve precisamente para amoldar o
pescador existente em cada um, e no seu eterno lançar o azul ou arremessar a
rede para colher aquilo que precisa para sobrevive. Cada ser precisa saber o
que deseja quando a rede subir. Uns se contentando com a pilombeta que morda a
isca e outros nunca querendo menos do que um dourado.
O pescador é
ser humano, ninguém sabe se pobre ou abastado; talvez tenha família, ou mesmo
sozinho precisa sobreviver com a dignidade que espelhe sua existência; tem
sonhos, tem planos, objetivos que quer alcançar; precisa da rede e do que nela
venha para o sorriso ou a tristeza. Sabe que ali nas águas - não somente
líquidas como cimentadas e empoeiradas – está tudo o que deseja, tudo que
precisa, e muito mais. Mas como voltará sua rede?
Por mais que
as águas estejam piscosas, repletas de frutos bons, de tudo aquilo que deseja o
pescador, ainda assim não será garantia alguma simplesmente jogar a rede ou
colocar isca boa no anzol. É segredo de mar e rio, das águas da vida e todas as
águas que o homem precise navegar em todos os leitos para sobreviver, que não
adianta a isca boa se falta ao pescador a justificativa para uma rica pesca.
Seria útil perguntar
agora: será que mereço pescaria sempre farta; será que o que faço em terra
firme ou às margens do leito, justifica para que seja agraciado com tantos
peixes; será que uma rede voltando vazia seja igual ao que ando fazendo na
existência, ou tanto faço que bem mereça um verdadeiro cardume? Tantas vezes
nada é pescado, mas por enquanto. Mas o melhor para o homem sempre virá,
segundo o seu merecimento.
Cabe, pois, ao
pescador reconhecer a quantidade de peixes que deva ou mereça pescar. Não
adianta querer demais, forçar a possibilidade, se até o anzol lhe nega a
descida, a rede se enrosca nas pedras grandes, o barco não quer sair do lugar.
E nada disso surge ao acaso. Só mesmo não querendo compreender seu estágio de
pescador pela vida, para insistir em alcançar o que decididamente não merece.

As águas são
muitas, infinitas, com imensas e inesgotáveis possibilidades. Águas do
trabalho, águas da convivência, águas da luta para vencer. Tem gente que não
sabe nadar e de repente se lançar ao mar porque tem objetivo a alcançar. E de
braçada em braçada, vencendo os desafios e cantos das sereias tão conhecidas,
mais adiante aporta no cais da realização. E isto porque soube lutar, fez do
sacrifício o passo, e da necessidade uma infinita vontade de realizar.
Por outro
lado, ainda que pescando em cativeiro, sendo exímio nadador, quanta dificuldade
surge para alcançar um só peixe. Não é por falta de isca nem de peixe, mas pela
vida que nega pescaria a quem dela desdenha. E, verdade seja dita, subestimar a
vida é morder o próprio anzol.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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