quarta-feira, 6 de março de 2013

A REDE DO PESCADOR (COLHENDO OS FRUTOS NAS ÁGUAS DA VIDA) (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

A REDE DO PESCADOR (COLHENDO OS FRUTOS NAS ÁGUAS DA VIDA)

Todos os dias, logo ao entardecer, a rede é arremessada ao rio. Bem que poderia logo ao alvorecer, instante em que os peixes começam a fazer seus itinerários e os cardumes se reúnem para a festa do vai e vem, mas prefere-se o arrefecer do sol porque melhor se justifica o que for pescado.

Com as águas mansas, a temperatura amena, a esperança brilhando no olhar, rotineiramente o pescador segue em busca de sua sorte. Vai com destino certo, beirando uma imensidão de abundâncias, na certeza que enfim aquele será o momento da tão esperada colheita nas águas da vida, no leito de sua existência.

Mas será que falo apenas das águas dos rios, mares, lagoas, e do mesmo modo me refiro somente à pescaria de animais aquáticos, tais como vermelhas, robalos, lambaris, corvinas e outras espécies? E ainda, será que ao falar em pescador cito apenas aquele que arremessa a tarrafa, estende o anzol com isca, faz arrastão?


Logicamente que não. As águas aqui citadas são as do grande oceano da vida, são aquelas espalhadas pela terra e caminhos, gotejando pelo asfalto e construções, se derramando no dia a dia do homem. Os peixes são as situações da existência, os sentimentos, as lutas, as vitórias, as derrotas.

E pescador é cada um que vive na beirada ou dentro dessas águas tantas procurando pescar segundo o seu merecimento. E vendo frutificar o que merece porque seria injusto que os mares da vida alimentem da mesma forma o pescador sem virtudes, sem senso humanista, sem respeito às regras do convívio social, e, do outro lado, aquele que pauta pela dignidade em sua amplitude.

São metáforas, sim. Contudo, a transferência de significação serve precisamente para amoldar o pescador existente em cada um, e no seu eterno lançar o azul ou arremessar a rede para colher aquilo que precisa para sobrevive. Cada ser precisa saber o que deseja quando a rede subir. Uns se contentando com a pilombeta que morda a isca e outros nunca querendo menos do que um dourado.

O pescador é ser humano, ninguém sabe se pobre ou abastado; talvez tenha família, ou mesmo sozinho precisa sobreviver com a dignidade que espelhe sua existência; tem sonhos, tem planos, objetivos que quer alcançar; precisa da rede e do que nela venha para o sorriso ou a tristeza. Sabe que ali nas águas - não somente líquidas como cimentadas e empoeiradas – está tudo o que deseja, tudo que precisa, e muito mais. Mas como voltará sua rede?

Por mais que as águas estejam piscosas, repletas de frutos bons, de tudo aquilo que deseja o pescador, ainda assim não será garantia alguma simplesmente jogar a rede ou colocar isca boa no anzol. É segredo de mar e rio, das águas da vida e todas as águas que o homem precise navegar em todos os leitos para sobreviver, que não adianta a isca boa se falta ao pescador a justificativa para uma rica pesca.

Seria útil perguntar agora: será que mereço pescaria sempre farta; será que o que faço em terra firme ou às margens do leito, justifica para que seja agraciado com tantos peixes; será que uma rede voltando vazia seja igual ao que ando fazendo na existência, ou tanto faço que bem mereça um verdadeiro cardume? Tantas vezes nada é pescado, mas por enquanto. Mas o melhor para o homem sempre virá, segundo o seu merecimento.

Cabe, pois, ao pescador reconhecer a quantidade de peixes que deva ou mereça pescar. Não adianta querer demais, forçar a possibilidade, se até o anzol lhe nega a descida, a rede se enrosca nas pedras grandes, o barco não quer sair do lugar. E nada disso surge ao acaso. Só mesmo não querendo compreender seu estágio de pescador pela vida, para insistir em alcançar o que decididamente não merece.


As águas são muitas, infinitas, com imensas e inesgotáveis possibilidades. Águas do trabalho, águas da convivência, águas da luta para vencer. Tem gente que não sabe nadar e de repente se lançar ao mar porque tem objetivo a alcançar. E de braçada em braçada, vencendo os desafios e cantos das sereias tão conhecidas, mais adiante aporta no cais da realização. E isto porque soube lutar, fez do sacrifício o passo, e da necessidade uma infinita vontade de realizar.

Por outro lado, ainda que pescando em cativeiro, sendo exímio nadador, quanta dificuldade surge para alcançar um só peixe. Não é por falta de isca nem de peixe, mas pela vida que nega pescaria a quem dela desdenha. E, verdade seja dita, subestimar a vida é morder o próprio anzol.
  
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
  

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