Por: Rangel Alves da Costa(*)
SOBRE
SONHOS E COPOS
Já se vão mais
de três anos que tive de deixar de lado – só que não sei até quando – os
prazeres da bebida. Juro que gostava demais de bebericar vinho, uma cervejinha
gelada, uma dose de casca de pau, qualquer bebida do meu sertão. Quem tivesse
seu uísque que não escondesse de mim. Nunca fui chegado ao malte apurado.
Acostumado a
beber, até hoje amanheço de ressaca. Fato muito estranho depois de muito tempo
forçadamente divorciado do copo, ao qual – não posso negar – nutria verdadeira
paixão. Foi-se e me deixou ainda apaixonado, recordando sempre o véu gelado da
borda, a golada gostosa e descomunal que dava. Traga mais uma. Que saudade
danada!
Mas sim, eu
dizia que até hoje amanheço completamente ressacado. Mas não de ressaca
sedenta, enjoada, querendo botar o mundo pra fora, e sim com uma vontade danada
de tomar outra. Quem não sabe vou informar: só amanhece com vontade de tomar
outra quem não bebeu o seu limite de entornar na noite anterior.
Sobre a
ressaca, sim. Como afirmei, amanheço de ressaca sem ter bebido e com vontade de
tomar logo uma geladinha. E eis aí o desvendamento de todo o mistério. Sonho
bebendo a noite inteirinha, e somente perto do amanhecer consigo desfazer do
copo e tirar um cochilo. Pouco tempo depois amanheço completamente ressacado.
Talvez seja
por isso - pela certeza que a mesa será posta com a dose de entrada e a
geladinha no ponto, talvez acompanhada de um queijinho do reino sertanejo ou
uma perna de preá assada – que mal amanheço e já fico desejoso que a noite
chegue logo. E porque todo dia é assim, após as dez da noite deito na
rede/botequim e fecho os olhos esperando ser servido. E que garçom prestativo é
o do sonho.

Já fiz várias
experiências e tentativas para ser servido mais cedo, durante os momentos que
adormeço após o almoço. Mas nada. Quero forçar o sonho, deito pensando no copo,
na cervejinha, na umburana apurada, no amigo chegando para sentar e jogar
conversa fora, mas nada, não tem jeito. Quando muito sonho tomando suco,
refrigerante, tudo adocicado demais. Talvez seja por isso que eu esteja
ganhando uns quilinhos a mais.
Já que sempre
acontece assim, gostaria de ter o poder de modificar um pouco tão generosos e
etílicos sonhos. Pediria a Morfeu – o deus grego dos sonhos – que no ambiente
onde minha mesa estiver não se aproxime ninguém para abrir a mala do carro e
colocar insuportáveis baianadas; pediria a Hipnos – o deus do sono - que me
permitisse sentar tranquilamente, recebendo a brisa, ladeado por amigos que não
discutam sobre religião, política ou futebol.
Maravilhoso seria
que Morfeu e Hipnos ouvissem meus rogos e permitissem aumentar ainda outros
prazeres ao inquestionável prazer de beber. Como música, bem baixinha, de leve,
apenas MPB4, Flávio Venturini, Lô Borges, Cláudio Nucci, enfim, a turma de
Minas e o seu Clube da Esquina. “Na ribeira deste rio, ou na ribeira
daquele...”, cantarola Dori.
E que me
chegue, assim como poesia ao vento, a voz de Gonzaguinha cantando “Espere por
mim morena, espere que eu chego já, o amor por você morena, faz a saudade me
apressar...”. E que viesse no passo do pássaro a cantiga inesquecível de
Simonal: “Descendo a rua da ladeira, só quem viu que pode contar, cheirando a
flor de laranjeira, Sá Marina vem pra dançar...”.
Beber de bem
com a vida, ouvindo poesia cantada, não há coisa melhor. Só mesmo na mesa de
bar. Mas enquanto não volto a escrever poemas cheirando a limão ou recados
amorosos na folha molhada de respingo de cerveja, tenho de me contentar com as
minhas farras noturnas, em meio ao sono, em meio ao sonho. E Deus me livre que qualquer
insônia venha tirar meu prazer.
Meus amigos
jornalistas, advogados, escritores e poetas acham que estou endoidando. Não
conseguem acreditar nessa minha história, principalmente porque não conseguem
me reconhecer sem o convite para um trago. E dizem, preocupados, que talvez eu
esteja bebendo demais, e às escondidas, sem convidar ninguém.
Infelizmente
não posso convidar qualquer deles para sonhar comigo, para compartilhar da mesa
após o adormecer, na farra de cada noite. E por falar nisso já estou com um
sono danado.
Poeta e
cronista
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