Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
ROUBO DAS NAMORADAS
Aconteceu no
sertão. Noutros tempos, mas aconteceu nas terras sertanejas de onde vim. E
talvez em muitos outros lugares interioranos, vez que a prática do roubo das
namoradas era fato corriqueiro pelas povoações mundo afora.
Contudo,
assevere-se com antecedência, não se trata aqui de algum desvio dos namorados
com relação aos bens de suas namoradas, levando às escondidas objetos pessoais
e até batom e calcinha. Nada disso. O roubo aqui citado diz respeito lançar mão
às escondidas da própria mocinha, da própria namorada em pessoa.
Diferentemente
do episódio lendário conhecido como O Rapto das Sabinas, onde solteirões
romanos raptaram mulheres da vizinha Sabine para desposarem, o roubo das
sertanejas era estrategicamente planejado entre as mocinhas e os seus raptores.
O roubo em si alcançava apenas os pais que ficavam desapossados de suas filhas.
O roubo das
sertanejas era praticado sempre da mesma forma. O rapaz planejava arrebatar a
mocinha de sua casa, do seio familiar, então a informava acerca da intenção, logicamente
que em busca do consentimento. A aceitação era imediata, vez que ela não
mediria esforços para fugir de casa e passar a viver ao lado daquele que tanto
amava.
Mas por que
ocorria assim, se poderiam namorar e mais tarde contraírem núpcias? O problema
é que naqueles tempos o conservadorismo das famílias, o demasiado senso de
proteção dos pais com relação às filhas, praticamente impedia que as mocinhas
namorassem ou escolhessem seus namorados. Muitas vezes eram mantidas quase
enclausuradas.
Namorar era um
problema sério a ser resolvido, um verdadeiro ritual de aceitação e prática. A
família da mocinha só aceitava que namorasse com “rapaz de família”, e mesmo
assim dentro de regramentos. Namorar na rua de jeito nenhum. Máxima desonra
familiar uma filha ser avistada escondida por trás dos muros ou nas moitas dos
quintais aos beijos e abraços. Era verdadeiramente o fim do mundo se a virgem
aparecesse grávida.
Para que o
namoro fosse aceito, primeiro o pretendente era chamado – muitas vezes
acompanhado dos pais – para ouvir da boca do futuro sogro como deveria ser o
seu comportamento com sua filha dali em diante. E começava dizendo que namorar
somente em casa, depois do anoitecer, e sentados de forma a serem avistados a
qualquer instante pela mãe. Estava se punha a fazer crochê ou remendar roupas
logo adiante onde o casal ficava.
Beijo só no
rosto, na chegada e na despedida; na boca de jeito nenhum, por ser coisa
nojenta e feia demais dentro de uma casa familiar e entre jovens que se
respeitam. Pegar na mão era permitido durante a permanência, mas sem qualquer
tipo de deslizamento nas coxas. Abraçar nem pensar, muitos menos trocarem
qualquer tipo de saliência.
Rapaz existia
que, por amor e boa intencionalidade, realmente se submetia à rigidez amorosa.
Mas outros não. As mocinhas também passaram a não suportar mais aquela situação
de proibição de tudo. Ora, diziam a si mesmos ou entre si que os tempos eram
outros e não mais aqueles dos seus avôs. Consequentemente, aos poucos foram
modificando, e pelo lado mais perigoso, essa insuportável situação.
Dentro desse
contexto é que o roubo das mocinhas passou a ser praticado. Dois motivos
principais levavam ao ilícito amoroso: a não aceitação do namoro pelos pais e o
desejo de apressamento das relações sexuais. Segundo os jovens, os pais não
podiam impedir que namorassem e também não suportavam mais, quando o namoro
aceito, ficar simplesmente sentados, falando baixinho e sob severa vigilância.
E foi para
vencer tais barreiras familiares que as estratégias matutas começaram a ser
elaboradas. Cientes de que se amavam e nada poderia interferir na escolha, bem
como conscientes de que a decisão a ser tomada marcaria para sempre suas vidas,
começaram a executar as ações, e de forma muito simples. Depois da meia-noite,
numa determinada hora da madrugada – quando os pais já estivessem a sono solto
-, ela colocava na mão sua malinha previamente arrumada e, pé ante pé, seguia
para abrir a porta dos fundos e fugir. O rapazinho já aguardava nas
proximidades.

Dali sumiam no
meio da escuridão, tomando os caminhos do mundo. Muitos desses jovens passavam
anos e mais anos sem dar qualquer notícia. Quando voltavam já traziam filhotes
para calar a boca dos avôs. Outros não conseguiam ir nem além dos arredores,
pois eram alcançados e ela forçada a retornar. E quantos castigos após isso,
quantas foram forçadamente enviadas para lugares distantes, para casa de
parentes que nem conhecia.
Hoje não há
mais nenhuma necessidade de tanto sacrifício amoroso. A mocinha nem sabe o nome
do rapazinho e já o leva para debaixo dos lençóis, no quarto da casa familiar
mesmo. Muitos pais não se incomodam que assim aconteça. Muitas vezes nem
lembram mais o nome da filha.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
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