(*) José Romero Araújo Cardoso
Breves considerações sobre a problemática das secas no
semiárido brasileiro
A maior área semi-árida povoada do mundo é o sertão
nordestino somado ao norte do Estado de Minas Gerais. Isto singulariza esta
região, conhecida por Polígono das Secas, quanto a diversos fatores naturais e
sócio-econômicos. Desertificação e desempregos estrutural e conjuntural se
coadunam no que tange aos desequilíbrios da ação do homem e de suas relações
sociais de produção, a título de exemplos.
A hinterlândia, povoada a fim de fornecer a subsistência litorânea
apresenta problemas insolúveis que se perpetuam no tempo. A irregularidade do
clima, enfatizando estiagens periódicas, muitas avassaladoras com incalculáveis
perdas de preciosas vidas, moldam formas específicas e intensas quanto aos
transtornos exibidos no processo de construção social.
Segundo Villa, o drama das secas tem uma longa história: o
primeiro registro da ocorrência de seca nos documentos portugueses é de 1532,
três anos após a chegada do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa (2000, p.
17).
Este autor
frisa, ainda, que;
“É muito provável que uma das razões da movimentação
espacial dos indígenas antes da chegada dos portugueses esteja relacionada com
períodos de estiagens e secas e com a disputa pelas terras com abundância
d’água” (Id., ibid.).
As secas assolam área total da ordem de 700 mil km2,
onde vivem 23 milhões de brasileiros – entre os quais, quatro milhões de
camponeses sem terra – marcados por uma relação telúrica com a rusticidade
física e ecológica dos sertões, sob uma estrutura agrária particularmente
perversa (AB’SÁBER, 1999, p. 07).
Esta estrutura
agrária, ainda perversa, faz com que boa parte da população se veja quando das
secas literalmente privada de acesso até mesmo a bens ditos coletivos, como os
recursos hídricos dos açudes construídos com dinheiro público.
Autores vários já demonstraram preocupação diante das
condições edafoclimáticas da zona submetida às secas. Duque (1980, p. 49)
afirmou que;
“O desnudamento do solo não conduzirá o Polígono a um
deserto físico como o Saara, com as suas tempestades de areia e ventos
sufocantes, nem diminuirá o total de chuvas, porém provocará os extremos
meteorológicos, a insolação aumentada, o calor excessivo, o ressecamento
intenso, a erosão eólia, que produzem cheias mais impetuosas e secas mais
violentas, que fazem minguar as fontes da produção, que diminuem a
habitabilidade e o conforto que resultam, enfim, no deserto econômico”.
As manifestações de estio são conhecidas há tempos
imemoriais, como o que grassou na região entre os anos de 1877-1879. Segundo
Guerra, nesta seca o Nordeste foi desfalcado de quinhentas mil vidas
(1981, p. 35).
Exemplificamos as buscas em amenizar os problemas das secas
no que está explicitado em destacada publicação de Alípio Luiz Pereira da
Silva, por título “Consideração Gerais sobre as Províncias do Ceará e Rio
Grande do Norte”, datado de 1885, edição registrada no Rio de Janeiro, frisando
que;
“A solução que se pretende dar ao problema das secas, quer
se considere a questão sob o ponto de vista do projeto, já conhecido, de
canalização do Rio São Francisco, com o qual se despenderão somas fabulosas e
longos anos, por terem-se de rasgar serras de rochas vivas de grande extensão
para formação do canal, serviço este impraticável; quer se o considere pelo
lado da construção de grandes açudes e estradas, nenhum resultado benéfico
trará à Província do Ceará e dará os mesmos resultados produzidos com a
prestação de socorros públicos”. (In: ROSADO, 1985, p. 111)
Promessas antigas,
resultados duvidosos ou nunca postas em prática, eis o velho dilema do
semi-árido brasileiro.
No passado, acreditava-se que o semi-árido devesse quase
que exclusivamente a sua grande extensão às disposições orográficas.
Constatou-se que as altitudes do planalto da Borborema por si não responderiam
à indagação, enfatizando-se com ênfase à formação de uma grande célula de alta
pressão sobre a região, provavelmente a extensão meridional do anticiclone dos
Açores (CONTI & FURLAN, 1998, p. 106), impedindo a penetração de massa
úmidas provenientes da área equatorial. Esta afirmação coincide com a
apreciação de Euclides da Cunha (1982) quanto a prováveis hipóteses da gênese
da seca do norte, como então era designado o conjunto acima do mais
desenvolvido pólo, ainda ativo e dinâmico, sem possível concorrente que lhe
ameace a hegemonia.
Citando as grandes secas que atormentaram o homem do
semi-árido em momentos distintos, das quais inúmeras se apresentam, da mesma
forma, em datas repetidas, Cunha (1982) enumera diversas fases crônicas de
estio, a exemplo das secas ocorridas entre os anos de 1710-1711, 1723-1727,
1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, no século XVIII, e as registradas em
1808-1809, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879, no século XIX. Em
seguida faz correlação entre os períodos que a sucedem. Hoje o aquecimento e o
resfriamento das águas do pacífico dão respostas mais precisas, alicerçadas na
evolução do padrão tecnológico. Ele soube sintetizar como poucos suas
impressões sobre esses terríveis flagelos que periodicamente assolam o
semi-árido brasileiro.
Após a edição de “Os Sertões”(1902), inúmeras secas se
sucederam no século XX, como as de 1915 e de 1919. Na primeira, segundo Villa,
a média anual pluviométrica em Conceição do Piancó foi 83,4 mm, quando no ano
anterior fora de 1.613,1 mm (2000, p. 132). Sobressaíram-se ainda as de 1932,
1958 e 1979-1984, considerada esta última a maior de todas nesta época. Quanto
à seca de 1932, seu principal cronista afirma que;
“Desde 1926 que a região ingressara no regime de chuvas
escassas com interrupção em 1929, quando ocorreu uma pluviosidade abundante que
se manifestou em boas e compensadoras safras.
Entretanto, no ano
seguinte a seca reiniciou o seu trabalho de destruição anulando grandemente as
reservas do trabalho intenso de 29.: “Veio mais violenta, agredindo todas as energias
de uma luta política cheia de animosidades.”(BARBOSA, 1998, p. 27)
Nas palavras de personagem proeminente do período,
organizador efetivo da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS),
marcado pela citação acima, impunha-se, portanto, a integração definitiva da
Inspetoria no coração da zona flagelada, no anfiteatro das secas, cujos efeitos
teria que combater (ALMEIDA, 1982, p. 382). E o Estado centralizado permitiu
tentar rever antigos ideais de buscar a redenção das terras do Norte. Exemplo
disso encontra-se na concretização das obras de açudagem que tantas lutas
demandaram.
A irregularidade é a marca indelével do semi-árido, com
esta sendo capitaneada pelas secas. Catástrofes personificadas em enchentes,
quando dos términos desses períodos de rigores da natureza, se responsabilizam
pelo recrudescimento de dolorosos dramas, como atesta renomado cientista ao
afirmar que as inundações catastróficas que ocorrem, de tempos em tempos no
Nordeste, são reflexo do regime pluvial irregular, por vezes torrencial, e da
topografia plana da região (MENDES, 2003, p. 26).
Ainda sobre secas, Mendes ressalta que existem dois tipos
destas no semi-árido nordestino, ou seja, a estacional, percebida todos os anos
como parte do regime hidrológico da região, em virtude do período chuvoso
geralmente se estender de janeiro a junho e as periódicas, as quais podem se
apresentar como total, parcial e hidrológica (1997, p. 29).
A seca total é a
mais grave, a que acarreta danos humanos e sócio-econômicos consideráveis,
desarticulando a economia regional e agravando as contradições que ainda
aviltam o homem do semi-árido. O grito de rebeldia ecoado em Canudos naqueles
tristemente célebres anos finais da década de 90 do século XIX, percebido por
Facó (1988), tinha vínculo com o desespero de milhares de pobres desprezados
dos campos secos do semi-árido. As secas minavam-lhes as forças e o refúgio
sagrado da Meca de palha e barro às margens do Vaza-Barris virou um monte de
escombros, soterrando sonhos e anseios da comunidade alternativa que ousou
desafiar o império da República recém-instalada.
Apesar da destilação
gratuita de adjetivos pedantes e ofensivos ao sertanejo e ao líder espiritual
da Tróia Sertaneja, a exemplo de Quasímodo-Hercúleo e Átila Bronco do Sertão, respectivamente,
a obra de Euclides da Cunha, por título “Os Sertões: Campanha de Canudos”
revela inteligência ímpar e precisa quanto à abordagem dos fenômenos das secas,
observando-os enquanto agentes de transtornos sociais e econômicos
condicionados por fenômenos físicos dos quais haveria contato tanto na
orografia como na força barométrica atuante, ressaltando o peculiar em uma
análise de um positivista convicto. Dessa forma, secas e uma indisfarçável
sugestão a referendo ao conceito mesológico de Buckle tem vínculos sugeridos na
definição de toda construção da nacionalidade do sertão, compondo preocupações
do grande sábio que esteve em Canudos como correspondente do Jornal O Estado de
São Paulo quando da famigerada campanha pelos sertões baianos. Ressalta-se
ainda referencial a partir das compreensões do naturalista germânico A. Von
Humboldt acerca do semi-árido, corrigindo-se Hegel quanto a uma categoria
geográfica não citada, quer seja, a complexidade da geografia do semiárido.
Secas e bem estar
social, eis um dos desafios do semi-árido nordestino. Não há como evitá-las,
mas o empenho em buscar soluções de convivência deve nortear qualquer prática
governamental e privada, principalmente quando desafios de desenvolvimento
sustentável são enfatizados em virtude do grau de agressão ambiental que se
responsabiliza por significativas mudanças regionais, tanto de ordem física
como social e econômica, enfim, de qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
AB’SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: Uma Geografia
Humana Sofrida. In: Dossiê Nordeste Seco. São Paulo/SP, Revista Estudos
Avançados/USP, Vol. 13 – Número 36 – Maio/Agosto 1999 – ISSN 0103-4014
ALMEIDA, José Américo de. O Ciclo Revolucionário do
Ministério da Viação. 2ª ed. Mossoró/RN: João Pessoa/PB: Fundação Guimarães
Duque/ Fundação Casa de José Américo, 1982 (Vol. CLXXVII, Coleção Mossoroense,
Série C).
BARBOSA, Orris. Secca de 32: Impressões sobre a Crise
Nordestina. 2ª ed. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1998 ( S.n., Coleção
Mossoroense, Série C).
CONTI, José Bueno; FURLAN, Sueli Ângelo. Geoecologia: O
Clima, os Solos e a Biota. In: ROSS, Jurandyr Luciano Sanchéz (org.). Geografia
do Brasil. 2ª ed. São Paulo/SP: Edusp, 1998.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos. São
Paulo/SP: Abril Cultural, 1982.
DUQUE, José Guimarães. Solo e Água no Polígono das Secas.
5ª ed. S.l: Fundação Guimarães Duque, 1980 (Vol. CXLII, Coleção Mossoroense,
Série C).
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 8ª ed. Rio de Janeiro/RJ:
Editora Bertrand Brasil S.A,1988.
GUERRA, Paulo de Brito. A Civilização da Seca.
Fortaleza/CE: DNOCS, 1981.
MENDES, Benedito Vasconcelos. Biodiversidade e
Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido. Fortaleza/CE: SEMACE, 1997.
Reflexões Sobre o Nordeste. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un
Rosado, 2003 (Vol. 1358, Coleção Mossoroense, Série C).
SILVA, Alípio Luiz Pereira da. Considerações Gerais sobre
as Províncias do Ceará e Rio Grande do Norte. In: ROSADO, Vingt-un (Org.).
Sexto Livro das Secas. Brasília/DF: CNPq/Coordenação Editorial, 1985 (Vol.
CXCIII, Coleção Mossoroense, Série C).
VILLA, Marco Antônio. Vida e Morte no Sertão: História das
Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX. São Paulo/SP: Ed. Ática, 2000.
(*)José Romero Araújo Cardoso – Professor adjunto IV do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e
Gestão Territorial (UFPB – 1995-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB –
1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN – PRODEMA – 2002).
Membro da SBEC, do ICOP e sócio-correspondente do IHGRN. romero.cardoso@gmail.com
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