segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A IMENSA SOLIDÃO HUMANA (Crônica)


Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa


A IMENSA SOLIDÃO HUMANA

Na Bíblia, em Ezequiel 35-15, está escrito que “enquanto toda a terra estiver em alegria, farei de ti uma solidão”. Era o Senhor prometendo espalhar o deserto e a solidão entre os ímpios.

E ímpio continua o ser humano perante sua existência. Confrontando e afrontando os ensinamentos, as regras de conduta, as lições de convivência pacífica, vai trilhando um caminho tão próprio que a outro lugar não chegará senão no deserto da solidão.

Aliás, desde muito já repousa nessa distância impiedosamente solitária. Talvez imagine que só estaria solitário se distante de todos, recluso em pensamentos, ausente da realidade exterior. Mas não.

Existe outro tipo de solidão que é vivenciada sem que nenhuma sensação solitária esteja presente. Não precisa de quarto fechado, de canto de sala, de olhar distantemente olhando o nada. E nem de distanciamento do mundo. Nada disso caracteriza esse novo tipo de solidão.


A solidão que ora se espalha entre todos é vivenciada também entre todos, nas ruas, nos lares, nos ambientes de trabalho, nos parques de diversões, em todo lugar. E é uma solidão que se mostra existente todas as vezes que, imaginando poder compartilhar de determinada realidade, a pessoa se sente incompreendida.

Ora, mas se tem direito a vez e voz, a participar e opinar, a doar e receber, a achar que está certo ou errado, seria até incongruência que nada disso seja respeitado quando chega sua vez de vivenciar uma realidade. Contudo, ocorre que as pessoas pensam em si mesmas e tanto faz que apenas um pretenda que seja diferente.

A solidão é imposta pela exclusão, pelo deliberado afastamento do outro, pelo desrespeito, pela discriminação. A pessoa pode ser importante para si mesma, pode pensar que tem algum direito a ser reconhecido, pode se achar essencial na vida de determinada realidade, mas se os seus anseios forem conflitantes com os demais, indubitavelmente que será relegada ao distanciamento, à solidão.

No trabalho, basta que a pessoa seja honesta e lute para alcançar reconhecimento que logo surgirá alguém torcendo pelo pior, denegrindo sua imagem às escondidas, tramando para vê-la profissionalmente arruinada. A pessoa nem imagina que ocorra assim, mas está sendo lançada num terrível deserto. E está solitária em meio a tantos que ainda olham sorridentes e cheios de cumprimentos.

Na família, no lar, entre parentes também é assim. Todos se dizem unidos, numa grande família, comemoram os laços de parentescos, mas cada um vai pro seu lado assim que surge o primeiro conflito de interesses. Tome-se por exemplo os parentes se engalfinhando por causa de uma herança. Neste momento não há parente que respeite nem considere o outro. Cada um que se vire, que se lixe, pois o mais importante é garantir o quinhão.

E não há maior solidão que em momentos assim. Todos contra todos e cada um sem ninguém. Somente quando a pessoa sente que já não pode confiar em ninguém, que foi maltratada por quem confiava, que foi traída por quem acreditava, é que passa a sentir a solidão em todas as dimensões. E solitariamente continuará porque mais tarde, ainda que todos mostrem encantamentos e alegrias ao reencontrá-la, certamente já não mais haverá confiança.

Não poderia ser diferente. Seja difícil ou não, mas a pessoa tem de saber que, quando muito, só tem a si mesma. Não adianta acreditar nos outros quando estes, no primeiro conflito de interesses que houver, não vão pensar duas vezes em jogá-la do precipício, arruinar a vida, fazer o que for possível para destruir. Porque tudo é falsidade, mentira, um covarde jogo de interesses pessoais. Em tudo e em todos.


Ora, se o mundo, e a vida que nela há, possui joio em meio ao trigo, não se engane que os maus frutos prevalecerão nos relacionamentos, nas amizades, nos convívios familiares. Tudo pelo egoísmo, pela vaidade, pela ambição desenfreada, pela vergonhosa cobiça. E dessa realidade que surge nos erros humanos, outra coisa não se avista como tenebrosa paisagem: a solidão em cada um.

E em tudo a imensa solidão porque diante de uma centena de pessoas ninguém pode dizer que pode encontrar qualquer união. Ao menos uma sequer. O que existe são cem pessoas solitárias, com cada uma distante da outra – ainda que no mesmo lugar - e devendo se contentar em acreditar em si mesma.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
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