Por: Rangel Alves da Costa(*)
SEGREDOS
DE VENTO
Nunca mais
vento soprou aquela aragem palavra, nunca mais veio no entardecer trazendo o
bilhete esperado. Nunca mais vento soprou notícias de um amor.
Após a tarde,
ao entardecer, quando a paisagem se enche de matizes sentimentais, e o
horizonte parece mais distante, mais triste e melancólico, é chegado o momento
de a janela ser entreaberta para a chegada do vento.
Em cima da
montanha também; do mesmo modo no alto da pedra grande, nas alturas dos campos
relvados, nas margens dos rios e nos cais de partida e chegada. Em todos esses
lugares os segredos de vento podem ser esperados ao entardecer.
Entardecer que
pode se prolongar, se demorar um pouco para chegar nos braços do sombreado, dos
portais da noite que se aproxima. A escuridão, contudo, não dificulta o
conhecimento dos segredos que o vento traz. Os segredos apenas transmudam-se em
mistérios.
De qualquer
modo ele vem. Ele vem porque o vento nunca deixa de chegar. A atmosfera pode parecer
entorpecida, sem movimento, ou apenas com leve brisa passando sem pressa. Mas
ao longe, lá pelas distâncias das estradas, subindo serras e espalhando
folhagens, o vento vem trazendo bilhetes. E segredos nas suas palavras.
Mas nem só em
escritos chegam os segredos do vento. Aos olhos que se firmam ao longe, ao
coração que pulsa em ansiedade, ao pensamento que vai buscando qualquer
resposta, por outros meios e formas chegam os segredos de vento. Como afirmado,
em mistérios também se transformam os segredos.
Pessoas
existem que sabem esperar o vento chegar. Estão tão acostumadas, tornaram-se
tão amigas desse momento mágico, que as janelas se abrem sozinhas, as cortinas
se alongam, os silêncios tomam para si toda voz. E sem precisar de relógio ou
nada que avise do momento chegando, eis que de repente já estão à janela com
olhares voltados para os seus caminhos.
Outros são
apenas levados pelas circunstâncias ao encontro do vento. Estes se predispõem
ao encontro segundo o estado da alma, a
inclinação do espírito, a feição sentimental. Tantas vezes levantam da solidão,
da angústia, da tristeza, do sofrimento, da dor, e imperceptivelmente já estão
se encaminhando para os locais da chegada da aragem com seus segredos.
Acontece assim
porque todos precisam dos segredos do vento, todos precisam saber o que o sopro
daquele entardecer ou anoitecer misteriosamente traz para a alegria do coração,
o conforto espiritual, o renascimento das esperanças. Mas também para receber
as notícias tristes, angustiantes, desalentadoras. Porque o vento traz segredos
assim, de brisa e de vendaval.
E de longa
viagem, trazendo no rastro o alforje da vida, o caçuá de tantos mistérios, o
embornal de tantas palavras, ele se anuncia num sopro tão conhecido. Os olhos,
os ouvidos, os corações, todas as sensações e sentidos humanos conhecem esse
apito de trem de chegada. É ele, sim.
É o sopro, o
zunido, o murmúrio já se aproximando de tantos que ansiosamente esperam. A
dança das folhas, a festa nos varais, os grãos de tempo espalhados na atmosfera
da existência. E de repente aquele hálito perfumado de jardins distantes e
flores desconhecidas. É o vento e o seu passo.
Passa pela
janela e conta o primeiro segredo. E diz que a mesma solidão refletida naquele
olhar está sendo amarguradamente vivida por alguém noutro lugar. Chega à
segunda janela e sopra mais forte para enxugar a lágrima. Vai entrando na
terceira janela e murmureja que a vida é isso mesmo, um buquê de esperanças e
realizações. Ao passar pelo cume da montanha deixa um bilhete nas mãos de
alguém.
Aqui, ao redor
e em tudo, a grandiosa presença de Deus. Nada disso é segredo, mas precisa
sempre ser revelado.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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