Por: Rangel Alves da Costa(*)
FÉ
E SOFRIMENTO NO SERTÃO
Dificilmente
se encontrará ser humano que seja mais católico, mais religioso e que tenha
mais fé que o povo nordestino, principalmente aquele sertanejo dos lugares mais
distantes, menos desenvolvidos e envoltos em tanta pobreza.
E é exatamente
esse sertanejo que possui retratos de santos penduradas nas paredes de barro,
mantém oratório e imagens sacras rodeadas de velas e fitas, faz orações durante
o dia inteiro, tem a igreja como extensão da casa e não perde uma missa sequer,
que mais sofre esperando a ajuda divina.
Mesmo em
épocas de farturas, de roçados verdejantes e colheita certa, algum ou outro
animal tendo a palma e o capim, o sertanejo jamais se omite na sua fé, na sua
fervorosa religiosidade, na sua certeza que tudo depende de Deus. Daí
continuarem as promessas para que as chuvas continuem caindo e a sobrevivência
seja garantida através da terra.
Mas as
promessas, rezas e rogos, parecem não ter eficácia assim que as estiagens
começam a mostrar suas feições. Contudo, ainda que a seca se alastre de vez
pela região, o mato comece a perder o viço e acinzentar, os tanques e
reservatórios sequem totalmente; enfim, o sol e o calor impiedosos tomem conta
de tudo, se engana quem imaginar que a fé será diminuída um tantinho assim.
Mesmo havendo
mudança nos motivos para as orações e as promessas, vez que agora a fruição
religiosa se volta para pedir que o livre de tanto sofrimento e afaste de todos
aquela situação de sede, fome e tantas outras formas de miséria, a crença
incondicional no poder de ação divina continua inabalável. E talvez ainda mais
forte.
Mesmo que a
situação se torne quase insustentável – como está ocorrendo agora no sertão
nordestino -, o sertanejo se mantém na firmeza da fé. Ainda que olhe adiante e
só encontre ossadas de bichos, feiúra na natureza e pessoas e restos de animais
sedentos e famintos, dificilmente alguém ouvirá de sua boca uma palavra sequer
que maldiga a sorte e coloque a culpa no esquecimento de Deus.
Ninguém ouvirá
que estão naquele estado de miséria, tendo de suportar tanto sofrimento, porque
Deus não atende seus rogos e suas promessas; não se ouvirá de nenhuma boca que
Deus esqueceu o povo que mais precisa de sua benção; ninguém ouvirá que dali em
diante darão menos importância aos cultos, aos santos e à divindade porque não
merecem estar passando por tamanho privação.
Pelo
contrário. Por todos os cantos o que se ouve é a reafirmação da crença, da fé,
da religiosidade. E assim dizem que com a graça divina logo as chuvas cairão,
as trovoadas virão, os tanques transbordarão, as plantas brotarão, a natureza
se encherá novamente de vida, os homens e animais
saciarão a fome e a sede. E Deus, sempre Deus, e acima de tudo.
Contudo, urge
indagar: O Deus do sertanejo, que é o mesmo Deus de todos - ainda que seja mais
reverenciado no sertão que em qualquer outro lugar -, não poderia ouvir mais de
perto tantas súplicas invocadas em seu nome? De outro modo, ainda que não fosse
para dar uma proteção diferenciada, não poderia agir de forma a não permitir
tanto sofrimento naquele povo já historicamente desvalido?
Neste aspecto
muitas questões se impõem, e as mesmas refogem aos estreitos objetivos desta
análise. Certamente alguns diriam que o que provoca sofrimento ao sertanejo não
é a ausência do olhar divino para aquele povo, pois onipotente, onisciente e
onipresente, mas sim as condições naturais daquele ambiente hostil para
sobreviver.
Ora, mas onde
estará o poder do Deus criador, aquele que move montanhas, aquele que tem em
suas mãos a vida e a sorte do mundo? O infinito poder de Deus, agindo com maior
compartilhamento das forças do bem, não poderia interferir diante de tanto
sofrimento, tanta angústia, tanta fome e tanta sede? A onisciência desconhece o
que no sertão existe, a onipresença de vez em quando se ausenta de lá, a
onipotência não pode fazer com que chova com mais regularidade naquele lugar?
Certamente não
haverá respostas para tais questionamentos. Ou haverá, mas no sentido de
afirmar que os desígnios de Deus são ignorados pelo homem, que Deus escreve
certo por linhas tortas, que Deus, na sua infinita bondade, jamais deixará ao
desamparo qualquer dos seus filhos.
Mas, por
qualquer fundamento que seja, o problema continua existindo. E do mesmo modo
permanece a inabalável fé do povo sertanejo. Neste aspecto e neste momento
deveria prevalecer, ao menos, o Deus da recompensa: Olhai, Senhor, para aquele
que mais acredita na tua força, aquele que com mais fé se entrega em súplica,
aquele que mais reverencia o teu nome e mais vive os teus ensinamentos!
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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