terça-feira, 8 de janeiro de 2013

FÉ E SOFRIMENTO NO SERTÃO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

FÉ E SOFRIMENTO NO SERTÃO

Dificilmente se encontrará ser humano que seja mais católico, mais religioso e que tenha mais fé que o povo nordestino, principalmente aquele sertanejo dos lugares mais distantes, menos desenvolvidos e envoltos em tanta pobreza.

E é exatamente esse sertanejo que possui retratos de santos penduradas nas paredes de barro, mantém oratório e imagens sacras rodeadas de velas e fitas, faz orações durante o dia inteiro, tem a igreja como extensão da casa e não perde uma missa sequer, que mais sofre esperando a ajuda divina.

Mesmo em épocas de farturas, de roçados verdejantes e colheita certa, algum ou outro animal tendo a palma e o capim, o sertanejo jamais se omite na sua fé, na sua fervorosa religiosidade, na sua certeza que tudo depende de Deus. Daí continuarem as promessas para que as chuvas continuem caindo e a sobrevivência seja garantida através da terra.

Mas as promessas, rezas e rogos, parecem não ter eficácia assim que as estiagens começam a mostrar suas feições. Contudo, ainda que a seca se alastre de vez pela região, o mato comece a perder o viço e acinzentar, os tanques e reservatórios sequem totalmente; enfim, o sol e o calor impiedosos tomem conta de tudo, se engana quem imaginar que a fé será diminuída um tantinho assim.

Mesmo havendo mudança nos motivos para as orações e as promessas, vez que agora a fruição religiosa se volta para pedir que o livre de tanto sofrimento e afaste de todos aquela situação de sede, fome e tantas outras formas de miséria, a crença incondicional no poder de ação divina continua inabalável. E talvez ainda mais forte.

Mesmo que a situação se torne quase insustentável – como está ocorrendo agora no sertão nordestino -, o sertanejo se mantém na firmeza da fé. Ainda que olhe adiante e só encontre ossadas de bichos, feiúra na natureza e pessoas e restos de animais sedentos e famintos, dificilmente alguém ouvirá de sua boca uma palavra sequer que maldiga a sorte e coloque a culpa no esquecimento de Deus.

Ninguém ouvirá que estão naquele estado de miséria, tendo de suportar tanto sofrimento, porque Deus não atende seus rogos e suas promessas; não se ouvirá de nenhuma boca que Deus esqueceu o povo que mais precisa de sua benção; ninguém ouvirá que dali em diante darão menos importância aos cultos, aos santos e à divindade porque não merecem estar passando por tamanho privação.

Pelo contrário. Por todos os cantos o que se ouve é a reafirmação da crença, da fé, da religiosidade. E assim dizem que com a graça divina logo as chuvas cairão, as trovoadas virão, os tanques transbordarão, as plantas brotarão, a natureza se encherá novamente de vida, os homens e animais saciarão a fome e a sede. E Deus, sempre Deus, e acima de tudo.

Contudo, urge indagar: O Deus do sertanejo, que é o mesmo Deus de todos - ainda que seja mais reverenciado no sertão que em qualquer outro lugar -, não poderia ouvir mais de perto tantas súplicas invocadas em seu nome? De outro modo, ainda que não fosse para dar uma proteção diferenciada, não poderia agir de forma a não permitir tanto sofrimento naquele povo já historicamente desvalido?

Neste aspecto muitas questões se impõem, e as mesmas refogem aos estreitos objetivos desta análise. Certamente alguns diriam que o que provoca sofrimento ao sertanejo não é a ausência do olhar divino para aquele povo, pois onipotente, onisciente e onipresente, mas sim as condições naturais daquele ambiente hostil para sobreviver.

Ora, mas onde estará o poder do Deus criador, aquele que move montanhas, aquele que tem em suas mãos a vida e a sorte do mundo? O infinito poder de Deus, agindo com maior compartilhamento das forças do bem, não poderia interferir diante de tanto sofrimento, tanta angústia, tanta fome e tanta sede? A onisciência desconhece o que no sertão existe, a onipresença de vez em quando se ausenta de lá, a onipotência não pode fazer com que chova com mais regularidade naquele lugar?

Certamente não haverá respostas para tais questionamentos. Ou haverá, mas no sentido de afirmar que os desígnios de Deus são ignorados pelo homem, que Deus escreve certo por linhas tortas, que Deus, na sua infinita bondade, jamais deixará ao desamparo qualquer dos seus filhos.

Mas, por qualquer fundamento que seja, o problema continua existindo. E do mesmo modo permanece a inabalável fé do povo sertanejo. Neste aspecto e neste momento deveria prevalecer, ao menos, o Deus da recompensa: Olhai, Senhor, para aquele que mais acredita na tua força, aquele que com mais fé se entrega em súplica, aquele que mais reverencia o teu nome e mais vive os teus ensinamentos!

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário: