Por: Rangel Alves da Costa(*)
SUBLIMES
REFLEXÕES
O rio, a
menina, o olhar. As águas do rio não passam duas vezes pelo mesmo lugar. Mas
todo entardecer a menina volta à beira do rio para ver as mesmas águas
passando. E são as mesmas águas, fazendo a curva adiante e refletindo nos olhos
molhados, causando a mesma tristeza.
Será que a
brisa do anoitecer é a mesma que passa abraçando a menina na janela,
beijando-lhe a face e esvoaçando levemente seu cabelo? Dizem que o vento que
chega é o sopro que passa e segue pelas curvas dos montes, para nunca mais
voltar. Mas a menina sente o mesmo abraço, a mesma saudade, a mesma tristeza
pela distância do amado.

Um dia, desde
muitos anos atrás, alguém raspou parte do tronco de uma árvore e ali, talvez
com ponta de canivete, grafou dois nomes por cima de um coração desenhado, o
seu nome e o de sua paixão. Mas depois cortaram a árvore, deixaram aquela parte
do tronco jogado ao relento. Depois de tantos anos aquele desenho continua como
no dia seguinte à apaixonada inscrição. Mas será que o amor foi também
preservado?
Chuva,
tempestade, destruição. As ruas são tomadas de água, as enxurradas trazem tudo
que encontra pela frente, o lixo e o imprestável. Mas também uma flor. Vem
sozinha por cima das águas escuras, sujas, fedidas, nojentas. Mas passa e segue
viagem por cima de tudo. E alguém da janela olha e se encanta com a bela flor.
Haveria ainda beleza naquela flor?
A flor está
viva, ainda intacta, perfeita, com a mesma cor com que fora arrancada da planta
caída pela força das águas. Perfume não há, aroma não há, e também deve estar
suja na parte que se assenta na água. Mas olhos avistam-na e se enchem de
brilho e encantamento. E logo uma mão recolhe a flor. Lavada ainda debaixo da
chuva, é acariciada e cheirada. E exala o mesmo perfume, o mesmo aroma. Eis o
mistério da indestrutível beleza!
Seca,
estiagem, tudo esturricado. A paisagem é cinza, as plantas secaram, o mandacaru
entristece petrificado. Não há mais bicho correndo, preá se escondendo, calango
trilhando destino apressado. Tudo parece morto, feio demais, natureza sem vida.
Mas em cima da pedra ardente, com raízes vindas de suas brechas, há um cacto
cabeça-de-frade no mais perfeito estado.
Enquanto tudo
seca e morre, cai e se torna graveto, ele continua como se nada daquilo
estivesse acontecendo ao redor. Está verdejante, e de um verdor renovado, com
espinhos crescidos, rechonchudo, e com sua auréola avermelhada chegando a
florir. Logo surgirão minúsculas as flores por cima da cabeça-de-frade, logo
aparecerão as abelhas, logo a natureza dará sua graça. E por mais que mil sóis
recaiam ali no cacto, ainda assim permanecerá um contínuo jardim.
Coisa
contraditória e lamentável encontrei nas minhas andanças pelo sertão. Logo ao
alvorecer, avistava rapazinhos passando com gaiolas nas mãos e seguindo em
direção à mata para estendê-las nas galhagens dos pés de paus, e aí deixar os
passarinhos engaiolados sentir a presença dos outros em liberdade, voando ao
redor. Justificavam a ação dizendo que se reanimavam e passavam a cantar mais
quando retornassem.

Depois
perguntei se era mesmo verdade que aquele encontro entre o aprisionamento e a
liberdade era garantia de chegar à parede de casa e entoar gorjeios com alegria
e satisfação. Apenas de um ouvi a verdade. A maioria dos passarinhos emudece
depois desses encontros com os outros
em liberdade, e são levados novamente para ver se a tristeza não os desfalece
de vez.
Por isso mesmo
que muitos não voltam mais nas gaiolas, ali mesmo são colocados novamente em
liberdade. Não vale a pena criar um passarinho que não canta mais quando está
em meio à natureza nem perto de seus amigos. Mas as gaiolas não voltam vazias,
pois os criadores já espalharam arapucas e ali mesmo na mata escolhem suas
próximas vítimas. E sem conhecer seus destinos, entram na gaiola já cantando. E
cantam dias seguidos, até avistarem a liberdade, até a dor se transformar em
silêncio.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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