Por: Dr. Archimedes Marques

Na trajetória
da vida nos deparamos com situações inusitadas e surpreendentes. Em algumas
delas podemos agir, interferir e até mesmo remediar algo de errado, porém
noutras, apenas lamentar.
Dia desses, em
visita a cidade de Salvador, fui ao Mercado Modelo e ali nas suas imediações um
fato ocorrido me chamou atenção para o termo inglês conhecido por Bullying,
cujos atos decorrentes são antigos, mas que no presente tempo com a propagação
das ações inerentes trás imensa preocupação para os educadores, pais de alunos,
autoridades diversas e para a sociedade em geral, vez que os seus resultados
sempre se esbarram em situações criminosas ou deprimentes, por vezes com
malefícios irreparáveis principalmente para as suas vítimas.
O fenômeno
Bullying é usado no sentido de identificar ações provindas dos termos zoar,
gozar, tiranizar, ameaçar, intimidar, isolar, ignorar, humilhar, perseguir,
ofender, agredir, ferir, discriminar e apelidar pessoas com nomes maldosos, que
na grande maioria das vezes tem origem nas escolas através dos jovens alunos
que assim praticam tais maldades contra determinados colegas que possuem algum
defeito físico, assim como, os relacionados à crença, raça, opção sexual ou aos
que carregam algo fora do normal no seu jeito de ser.
De volta ao
Mercado Modelo, chegava um ônibus de turismo quando diversos vendedores
ambulantes assediavam os turistas para venderem os seus produtos, quando
apareceu um velho mendigo, barbudo, cabeludo, maltrapilho, imundo, de pés
descalços, tipo daqueles cidadãos que vivem ou sobrevivem à espera da morte na
miséria absoluta, morando debaixo das marquises das lojas ou dos viadutos que o
tempo e a vida lhes deram de presente e, ao se aproximar daquele grupo de
pessoas, então um dos vendedores o enxotou em verdadeira humilhação:
- Sai prá lá
GAMBÁ que você espanta qualquer um com o seu fedor de fossa insuportável!...
Vendo aquela
cena deprimente e desumana me aproximei daquele mendigo que já saía sem
reclamar com o “rabinho entre as pernas” para lhe dar um trocado qualquer e
então, do seu jeito de caminhar, dos seus gestos com as mãos, de um sinal no
rosto e de um tic nervoso a piscar a todo tempo um dos olhos quase já fechado
pela amargura do seu viver, o reconheci...
De imediato
naveguei pelo túnel do tempo de volta ao passado e aportei em uma Escola da
rede pública ali próxima na própria cidade baixa da capital baiana, no início
dos anos 70, onde estudei por quase dois anos antes de voltar para Aracaju e,
lá encontrei o colega de classe apelidado de GAMBÁ, então perseguido
implacavelmente, ofendido na sua cidadania, discriminado pelo seu jeito de ser
e humilhado incondicionalmente pela grande maioria dos seus jovens colegas,
meninos e meninas com idades aproximadas de 13 e 14 anos.
Aquele jovem
que talvez não gostasse de tomar banho ou que talvez não tivesse oportunidade freqüente
para tanto, pelo fato de possivelmente morar em alguma invasão desprovida de
saneamento básico e, que sempre chegava suado e cheirando mal em sala de aula,
talvez pelo provável fato de também não possuir produtos higiênicos na sua
casa, logo ganhou de algum colega gaiato o apelido de gambá que nele grudou
qual uma sanguessuga a sugar a sua dignidade e, então passou a ser menosprezado
e ofendido por quase todos da classe e até das salas circunvizinhas. Por onde
passava os alunos tapavam o nariz e na sala de aula sentava na última carteira,
isolado de todos. De tanto humilhado e discriminado que era ninguém dele se
aproximava, principalmente por receio de também ser hostilizado.
Senti uma
fisgada no peito ao me ver também culpado pelo que se transformou o jovem
colega conhecido por gambá. Confesso ter sido cúmplice por omissão, não por
ação, pois eu também era uma vítima das ações nefastas advindas do Bullying,
por ser um menino tímido ao extremo ao ponto de todos os dias entrar calado e sair
mudo em sala de aula, então isolado pelos colegas da classe que preferiam lidar
com os mais falantes e extrovertidos.
Como vítima
parceira de tais ações depreciativas, o certo era eu ter me juntado ao colega
gambá, mas não o fiz por covardia, por medo, por receio de ser mais rechaçado
ainda pelos demais estudantes e assim sofremos individualmente em proporções
diferentes a dor do isolamento e da humilhação naquele interminável ano de
1972. No ano seguinte gambá, após ter sido reprovado com as menores notas da
classe em todas as matérias possíveis não mais retornou ao Colégio, enquanto
que, para minha alegria logo retornei para o meu querido Estado de Sergipe para
crescer e esquecer aquele deprimente, humilhante e sufocante tempo.
Essa triste
lição de vida me mostrou o quanto as chamadas inocentes brincadeiras de criança
podem ser maléficas para tantos outros, se é que essas ações escolares agora
conhecidas por Bullying podem ser consideradas inocentes, vez que para muitos
estudiosos no assunto, tais ofensores sofrem de distúrbios psíquico que
precisam de tratamento sob pena de explosões mais desastrosas ainda, como de
fato vem ocorrendo em muitos lugares.
A
agressividade e a violência advindas do fenômeno Bullying assumem além de tudo,
o caráter etiológico do violar, não só referente às normas de conduta, a moral
e a disciplina, mas principalmente viola os direitos do cidadão relacionados a
sua integridade física e psíquica, a sua liberdade de opinião ou sua escolha de
vida, a sua liberdade de expressão e até de locomoção, enfim, fere de morte o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em sociedade.
A psiquiatria
e a psicologia mostram que além do sofrimento dos jovens vítimas do fenômeno
Bullying, muitos adultos ainda experimentam aflições intensas advindas de uma
vida estudantil traumática.
Nos últimos
anos a população mundial freqüentemente assiste atônita as diversas situações
estarrecedoras quase sempre nascidas e advindas do fenômeno Bullying, com
agressões físicas e assassinatos por parte de alunos contra os seus próprios
colegas, contra professores, guerras de gangues, de torcidas organizadas, de
tráfico de drogas com participação de jovens estudantes até mesmo dentro das
próprias instalações escolares.
As diversas
Escolas espalhadas pelo país, destarte para as situadas nos ambientes
periféricos das grandes cidades se tornaram espaço de intolerância, competições
absurdas e conflitos de todos os tipos possíveis, em especial para os problemas
relacionados às drogas, assim como, para os pertinentes à liberdade sexual, ou
seja, para as meninas que não aderem a esse tipo de pratica livre, passando
então as mesmas a sofrer diversos tipos de perseguições, em verdadeiras
inversões de valores por conta das ações absurdas do fenômeno Bullying.
Ética, solidariedade
e humanismo são realmente palavras desconhecidas e perdidas em muitas
comunidades de jovens estudantes que as substituem pelo desrespeito e pela
afronta ao direito individual do seu colega que pretende prosperar e vencer na
vida honestamente, pelo seu próprio esforço e valor.
É preciso dar
um basta nestes tipos perniciosos de vandalismo e delitos juvenis. O jovem
necessita acima de tudo de limites. Precisa entender os seus direitos e os seus
deveres e até onde eles chegam. Precisa de disciplina e autoridade. Precisa
entender que todos são cidadãos em igualdade de condições. Entretanto, para que
consigamos chegar a tal geração de jovens politizada, só com uma boa educação
familiar e escolar é possível alcançar tal objetivo.
Assim, não há
como deixar de concluir que estamos diante de um sério problema relacionado às
áreas educacional, social, da psiquiatria e de segurança pública, com real
tendência para sua resolução na educação preventiva, curativa psiquiatra ou
psicológica, por isso, necessário se faz, da consciência absoluta do Ministério
da Educação com a elaboração de verdadeiro e efetivo Programa de combate a este
grande malefício conhecido por Bullying, tomando por gerentes os bons
educadores, estudiosos e pesquisadores no assunto que em alguns Estados
brasileiros já se fazem presentes nas suas respectivas secretarias de educação,
mas que necessitam, sem sombras de dúvidas, de melhores investimentos
financeiros para as suas conseqüentes vitórias que por certo serão galgadas no
trabalho junto aos pais de alunos, professores e dos próprios estudantes
autores e vitimas do fenômeno.
Além dessa
medida, necessário se faz uma batalha mais ampla dentro do Legislativo, até com
uma reforma no próprio Estatuto de Criança e do Adolescente com reais modificações
e acrescentando-se a esta Lei bons artigos inerentes ao tema para possibilitar
ao Estado Nação um melhor campo de atuação, pois é desejo de todos nós vermos
os nossos jovens estudantes crescendo e somando-se a construção coletiva e
permanente para o pleno exercício da cidadania.
Autor:
Archimedes Marques (delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em
Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br
Enviado pelo autor: Dr: Archimedes Marques
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/
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