Por: Rangel Alves da Costa(*)
AS
PATACOADAS DE ESTRIPULIA
O nome do
homem era até de gente decente: Alcipreste Ciprestino dos Santos. Contudo,
danado demais, zanzando na reinação sem fim, cheio de molecagem de não acabar
mais, acabou sendo mais conhecido como Estripulia.
Pra quem não
sabe, pelas bandas de cá do Nordeste, estripulia significa travessura,
molecagem, safadeza, arteirice, enfim, tudo aquilo que um cabra faz além da normalidade
das atitudes da vida.
O Estripulia
era assim, pois, um mestre na feitura de estripulias. E tanto vivia fazendo
armação, coisa errada e invencionice, que ao passar num lugar as pessoas logo
diziam que ali ia o Estripulia pronto pra fazer mais uma de suas patacoadas.

Patacoada é
outra coisa que nem todo mundo entende o significado, mas é algo até simples
demais de saber. Patacoada e estripulia é quase a mesma coisa, só que na
primeira o que se vê é o resultado da danação.
Assim,
patacoada é uma invencionice, uma história mentirosa, palhaçada, embuste,
fanfarronice, lambança. E patacoada Estripulia sabia fazer com maestria. Parece
até que levava a vida somente matutando o que fazer de errado mais adiante.
Não tendo o
que fazer de mais importante, fez chegar ao ouvido de uma mal falada do lugar
que naquela mesma tarde ia pregar na porta da igreja uma lista com os nomes de
todas as mulheres que botavam pontas nos maridos.
Foi um deus
nos acuda, um corre-corre de não acabar mais. Pelas ruas, becos e escondidos
uma leva de mulheres desconfiadas, nervosas, em tempo de botar os bofes pela
boca, e tudo para saber de Estripulia se o seu nome estava incluído na tal
lista.
Mas assim que
conseguiram encontrar o embusteiro, no mesmo instante o salafrário mudou de
estratégia e disse que elas não se preocupassem nem um tiquinho assim, pois sua
intenção era totalmente outra. E disse qual era.
E foi pior,
pois afirmou que na verdade a lista que ia ser pregada continha apenas os nomes
dos homens corneados, os que levavam chifres das esposas, noivas e namoradas.
Mal acabou de falar e já teve que sair correndo, pois no mesmo instante a nova
chegou ao meio da praça, exatamente onde os homens honrados se reuniam para
falar da vida dos outros.
Assim que
souberam da intenção de Estripulia saíram com mais de mil atrás do cabra. Só
conseguiram encontrá-lo duas horas depois, devidamente escondido debaixo da
cama de sua avó. Quando a velha avistou mais de cinco raivosos na sua saleta,
perto da porta do quarto, lançou mão de uma espingarda de chumbo batido e
apontou na direção, perguntando o que queriam.
Foi informada
do que se tratava, o que os fazia estar ali daquele jeito e tão aflitos, mas
que a intenção não era fazer mal algum, e sim propor algo totalmente diferente
ao seu bondoso neto. Na verdade, queriam apenas saber se os seus nomes estavam
incluídos na lista dos cornos do lugar.
Acaso
estivessem pagariam um preço bom para serem excluídos. Não que tivessem
vergonha de levar chifres das esposas adulterinas, mas pelo medo danado que
assim acontecendo elas resolvessem assumir a sem-vergonhice de vez e
abandoná-los, trocando-os por qualquer um.
Diante da
ocorrência, a velha – de cujo sangue certamente Estripulia trazia herança maior
- baixou a arma e propôs que imediatamente entregassem certa quantia a ela
mesma que o problema estaria resolvido.
E assim foi
feito, na promessa de que o reinoso não levasse, sob hipótese alguma, seus
nomes corneados ao conhecimento da população. Bastava o que já sabiam das
traições de suas digníssimas. E saíram de lá sem saber que Estripulia há muito
que já havia pulado a janela e se encontrava na sacristia da igreja, segredando
com o vigário. Padre não, um fofoqueiro de marca maior.

E na missa
dominical, com a igreja repleta de fiéis, daqueles mesmos casais envolvidos na
lista do embusteiro, além de beatas farejando fofocas para o festim da desonra,
ao invés do sermão o que se viu foi o padre abrir a boca para falar da
desagregação familiar, das infidelidades e dos pecados extraconjugais. E disse
todos os nomes, de traídos e traidoras, de chifrudos e quengueiras.
A avó de
Estripulia, sentada que estava num dos primeiros bancos, ali mesmo deu um
piripaqui e morreu arroxeada; as beatas se abanavam nervosas, sem acreditar no
que ouviam; os casais foram desfeitos ali mesmo, com chifrudos saindo por uma
porta e adúlteras por outra.
Mas enquanto o
mundo acabava para tantos, Estripulia pregava no coreto da praça uma lista com
as safadezas do padre. Impossível citar as sem-vergonhices do vigário.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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