domingo, 11 de novembro de 2012

TRÊS OVOS DIFERENTES NUM MESMO NINHO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

Certa vez ouvi uma história (ou será estória?) dando conta de um acontecimento dos mais impensados por toda face da terra. Mas apenas em parte, porque o seu desfecho confirma o que todos nós já sabemos.

Vamos aos fatos. Contou-me o velho senhor sertanejo, meu conterrâneo lá pelas bandas de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, que no meio da caatinga, mas ainda num tempo de mata rica e fechada, havia uma majestosa árvore bem diferente de todas as outras existentes na região.

No alto dessa árvore havia um ninho abandonado, todo feito com fiapos e garranchos miudinhos, além de galhagens e folhagens ressequidas. Era um ninho perfeito, grande, majestoso, sonho maior de todo passarinho que pretende colocar seus ovos em lugar seguro e confortável.


Durante muito tempo esse ninho permaneceu sem utilidade alguma, vez que o pássaro que o havia construído há muito achou de debandar da região, ou mesmo acontecido o pior com o bichinho, o que é sempre provável. Então, eis que num belo entardecer passa por ali uma cegonha trazendo no bico um ovo e o deposita ali. Apenas um.

Alguns meses depois, no seu voo apressado em busca de um ninho esquecido para botar o seu ovo, passa pelo lugar um grande pássaro sertanejo e ali, mesmo tendo visto que no lugar já estava depositado o fruto de outra ave, nem pensou duas vezes e deixou o seu também num cantinho. Agora dois ovos, porém diferentes.

No dia seguinte aconteceu o mesmo com uma ave de arribação. Esta, no seu percurso de uma região para outra sentiu que havia chegado o momento de por, e como sabia que não havia o que fazer senão encontrar um ninho alheio para deixar guardado o seu fruto, resolveu descer diante do primeiro ninho que avistou.

Encontrou os dois ovos, mas nem teve tempo de pensar de quem poderia ser. Deixou o seu no mesmo lugar e seguiu sua viagem, pensando em encontrar sua cria quando retornasse. Assim, agora eram três ovos, de pássaros diferentes e com citoplasmas também diferentes. Quer dizer, três diferentes ovos num só ninho e que se ficassem chocos certamente fariam surgir três seres estranhos num só lugar.

Com os três ovos continuando quietinhos, numa noite apareceu por ali um pássaro cansado de longo voo e resolveu descansar um pouco naquele ninho confortável. Estava com tanto sono que nem se deu conta de estar repousando em cima dos três frutos passarinheiros. Como se sabe, para que os ovos fiquem chocos basta que a ave transmita a eles o calor necessário para o desenvolvimento dos embriões.

E assim aconteceu. A ave passou ali pouco tempo, apenas uma noite, mas tempo suficiente para que os três ovinhos começassem o processo de reprodução interior. Contudo, como eram ovos diferentes, com características também diferentes, o desenvolvimento de um foi mais rápido do que nos outros dois.


O ovo que se desenvolveu mais rapidamente foi exatamente o primeiro ali depositado pela cegonha. E, como se sabe, esta ave é tida pela tradição popular como aquela que traz as crianças ao mundo, transporta no seu bico o recém-nascido até o colo da mãe. Só que aquela cegonha, ao invés de trazer a criança já nascida, o que fez foi depositar o ovo ali, esperar a criança nascer e depois entregá-la no endereço combinado.

Como o ovo ficou ali muito tempo sem receber o calor necessário para se desenvolver naquele útero citoplasmático, quando se desenvolveu até a casca quebrar para o nascimento, o que veio ao mundo foi um homem já feito, já adulto. E eis agora a triste sina dos outros dois ovinhos e os seus passarinhos que já se esforçavam para romper a casca e completamente nascer.

Como sempre acontece, o homem simplesmente pegou os outros dois ovinhos e os jogou lá de cima, fazendo-os despedaçados lá embaixo. Alguma coincidência com a realidade instintiva do ser humano?

Biografia do autor:

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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