Por: Rangel Alves da Costa(*)
Certa vez ouvi
uma história (ou será estória?) dando conta de um acontecimento dos mais
impensados por toda face da terra. Mas apenas em parte, porque o seu desfecho
confirma o que todos nós já sabemos.
Vamos aos
fatos. Contou-me o velho senhor sertanejo, meu conterrâneo lá pelas bandas de
Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, que no meio da caatinga, mas ainda
num tempo de mata rica e fechada, havia uma majestosa árvore bem diferente de
todas as outras existentes na região.
No alto dessa
árvore havia um ninho abandonado, todo feito com fiapos e garranchos miudinhos,
além de galhagens e folhagens ressequidas. Era um ninho perfeito, grande,
majestoso, sonho maior de todo passarinho que pretende colocar seus ovos em
lugar seguro e confortável.

Durante muito
tempo esse ninho permaneceu sem utilidade alguma, vez que o pássaro que o havia
construído há muito achou de debandar da região, ou mesmo acontecido o pior com
o bichinho, o que é sempre provável. Então, eis que num belo entardecer passa
por ali uma cegonha trazendo no bico um ovo e o deposita ali. Apenas um.
Alguns meses
depois, no seu voo apressado em busca de um ninho esquecido para botar o seu
ovo, passa pelo lugar um grande pássaro sertanejo e ali, mesmo tendo visto que
no lugar já estava depositado o fruto de outra ave, nem pensou duas vezes e
deixou o seu também num cantinho. Agora dois ovos, porém diferentes.
No dia
seguinte aconteceu o mesmo com uma ave de arribação. Esta, no seu percurso de uma
região para outra sentiu que havia chegado o momento de por, e como sabia que
não havia o que fazer senão encontrar um ninho alheio para deixar guardado o
seu fruto, resolveu descer diante do primeiro ninho que avistou.
Encontrou os
dois ovos, mas nem teve tempo de pensar de quem poderia ser. Deixou o seu no
mesmo lugar e seguiu sua viagem, pensando em encontrar sua cria quando
retornasse. Assim, agora eram três ovos, de pássaros diferentes e com
citoplasmas também diferentes. Quer dizer, três diferentes ovos num só ninho e
que se ficassem chocos certamente fariam surgir três seres estranhos num só
lugar.
Com os três
ovos continuando quietinhos, numa noite apareceu por ali um pássaro cansado de
longo voo e resolveu descansar um pouco naquele ninho confortável. Estava com
tanto sono que nem se deu conta de estar repousando em cima dos três frutos
passarinheiros. Como se sabe, para que os ovos fiquem chocos basta que a ave
transmita a eles o calor necessário para o desenvolvimento dos embriões.
E assim aconteceu.
A ave passou ali pouco tempo, apenas uma noite, mas tempo suficiente para que
os três ovinhos começassem o processo de reprodução interior. Contudo, como
eram ovos diferentes, com características também diferentes, o desenvolvimento
de um foi mais rápido do que nos outros dois.

O ovo que se
desenvolveu mais rapidamente foi exatamente o primeiro ali depositado pela
cegonha. E, como se sabe, esta ave é tida pela tradição popular como aquela que
traz as crianças ao mundo, transporta no seu bico o recém-nascido até o colo da
mãe. Só que aquela cegonha, ao invés de trazer a criança já nascida, o que fez
foi depositar o ovo ali, esperar a criança nascer e depois entregá-la no
endereço combinado.
Como o ovo
ficou ali muito tempo sem receber o calor necessário para se desenvolver
naquele útero citoplasmático, quando se desenvolveu até a casca quebrar para o
nascimento, o que veio ao mundo foi um homem já feito, já adulto. E eis agora a
triste sina dos outros dois ovinhos e os seus passarinhos que já se esforçavam
para romper a casca e completamente nascer.
Como sempre
acontece, o homem simplesmente pegou os outros dois ovinhos e os jogou lá de
cima, fazendo-os despedaçados lá embaixo. Alguma coincidência com a realidade
instintiva do ser humano?
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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