Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
PORCO-ESPINHO
O porco não
era assim, era lisinho lisinho, só depois de muito tempo ficou de vez
porco-espinho.
Também não
tinha essa cor, acinzentado em dissabor, pois nasceu todo branquinho até virar
porco-espinho.
Nasceu um
porco comum, com papa de jerimum, criança no seu cantinho, arreliento um
bocadinho, até crescer e começar a sofrer quando virou porco-espinho.
Dizem que a
mãe do porquinho, sempre deixando ele sozinho, saía a passear, e sem ter com
quem ficar se largava no mundo a errar.
Apenas um
porco sem pai, com uma mãe que tanto faz, ele vivia entristecido, pelos cantos
aborrecido, desejando um carinho. E tudo isso fez nascer no coração um espinho.
Tinha o pelo
normal, sem a ninguém fazer mal, pelo de bicho qualquer e bom de fazer cafuné.
Mas quanto mais ia crescendo, na solidão padecendo, no seu corpo, de cantinho a
cantinho, foi surgindo mais espinho.
Um dia a mãe o
avistou e desesperada gritou: aquele não era seu filho, apenas bicho sem brilho
e parecendo um arame, no pelo aquele vexame de estar tomado todinho de espinho
e mais espinho.
E não pensou
muito não, logo lhe deu um safanão que o coitado caiu deitado. Levantou
amargurado, pela mãe ser enjeitado era a maior dor do mundo. E tomou a estrada
pra ser porco vagabundo.

Levando no
peito desatino, o porco ainda era menino, mas abandonado e sem destino. E para
aumentar o problema, talvez o maior dilema fosse o pelo espinhento, um fardo a
carregar feito cachorro sarnento.
Nunca um bicho
sofreu tanto como sofreu o porquinho. Perdido no mundo, não achava seu caminho,
se encontrava uma toca ali fazia de ninho. Noite e dia assim, nesse sofrimento
sem fim, tudo ao seu redor parecia tão ruim.
Passou frio e
calor, na fome nenhum sabor, pesadelos de horror. Numa madrugou levantou, botou
o focinho no tempo e na estrada saltou. Pôs-se a caminhar, ouviu um galo
cantar, o alvorecer despontar, até o sol lhe esquentar.
Avistou tudo
ensolarado e um pouco mais animado sentiu o estômago vazio. A fome dá arrepio,
fraqueza e calafrio de enlouquecer um. Na mata um zum-zum-zum, viu que ali
cabia mais algum e se apressou para lá.
Mas quando
entrou na mata, a bicharada desata pelas veredas a correr. Olhou sem
compreender aquela recepção, depois lhe veio a recordação de magoar coração.
Não era bicho igual, era um ser diferente, muito pior que serpente, tudo um
desalinho: era porco-espinho.
Mesmo sem ter
amigo, fez dali o seu abrigo e foi ficando no lugar. Andava de cá pra lá
procurando avistar quem quisesse conversar. Mas à visão do porco-espinho e
fugia o passarinho, fugiam gambá e caititu, corriam gavião e urubu.
Num mundo de
solidão, quis conversar com a pedra, mas ela respondeu não; quis prosear com a
terra, mas ela escondeu-se no chão; quis ser amigo da onça, mas nem lhe deu
atenção. Mas não fica assim, disse o porquinho, tomando uma decisão.
Vestiu-se de
natureza, chega ficou uma beleza. Folha de bananeira, uma flor de quixabeira, e
saiu a caminhar, e com voz altiva logo começou a perguntar onde ficava o
cabeleireiro do lugar.
O
cabeleireiro, coitado, quase caiu estatelado com a visita recebida. Nunca tinha
trabalhado com aquilo em toda vida. Mas disse ser impossível transformar tanto
espinho num pelo todo soltinho.
Mas chamou o
porco num canto e contou-lhe um segredo. Este ficou com medo, mas resolveu
aceitar. E o cabeleireiro tocou ali e acolá e deixou tudo no lugar, sem nada
mexer, sem nada modificar. A única coisa que fez foi os espinhos lavar.
Cheirando a
bom perfume, o porco saiu do salão, a bicharada ao redor ficou cheia de ciúme.
Naquele salão só entrava o brilho do vaga-lume. E assim todo imponente foi
sendo cumprimentado, bons olhos de todo lado e ele já desconfiado.
Não ficando
mais sozinho, roçava no outro o espinho e ninguém dizia nada. Mas que vida
desgraçada, disse o porco um dia, só porque fui ao salão, trouxe de lá essa
ilusão que me sustenta aqui.
Basta fingir
aparência, mesmo ferindo com espinho, que recebe até carinho nessa vida de
demência.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
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