Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
HOMEM DOS DIAS
Era triste ver
o homem assim, mas era desse jeito mesmo que acontecia, e todo dia. Do
amanhecer ao anoitecer, e muitas vezes vagando pela madrugada, lá seguia ele
parando um e outro para perguntar se tinha perdido algum dia na sua vida.
Isso mesmo, a
cada um que encontrasse perguntava se estava desgostoso com os seus dias, se
havia algum que preferia não ter vivido, se preferia esquecer-se de ter
existido em algum deles. E se a pessoa respondesse que era precisamente aquele
dia, então o coração do homem chegava a palpitar.

Mas para fazer
o que com os dias dos outros? Melhor perguntando, o que o homem tinha a ver com
os dias não vividos dos outros e o que pretendia fazer com eles? Ninguém sabe
ao certo responder, mas a verdade é que depois de ouvir o que desejava saía
quase correndo, num passo apressado e mais que instigante.
E o coitado do
homem, se tomasse notícia de qualquer dia perdido na vida de alguém,
imediatamente saía a procurá-lo, corria a catá-lo nos escombros do passado, nos
monturos da memória, ou mesmo nos lugares próximos de tantos ou poucos não
acontecidos. Mas por que o desvalido do homem agia assim?
Seria louco,
demente, atordoado, ou apenas um brincalhão das desventuras vividas ou dos
instantes não vivenciados pelos outros? Seria alguém fugido do hospício, um
psicopata pelas não realizações, ou apenas alguém que precisava demais
encontrar e tomar para si os infortúnios, as infelicidades e os pesares do
próximo?
Não posso
afirmar com certeza o que fazia o coitado do homem agir, o que o motivava e o
que pretendia fazer com os dias obscuros dos outros. Soube dessa história e por
muitos dias andei solitariamente no meio da noite, ainda que chovendo ou
fazendo frio, para ver se encontrava a tal pessoa, o homem dos dias.
Eis que numa
madrugada de persistente sereno, de vento cortante e frio dilacerante, peguei
meu guarda-chuva e resolvi dar uma volta na pracinha mais próxima. Tudo estava
silencioso demais, com calçadas e pisos molhados e espelhando a luz que se
derramava dos postes. Nem um pé de pessoa passando, apenas o barulho do vento e
das folhagens se contorcendo.
Já estava na
praça quando vi alguém ainda longe, apenas um vulto virando uma esquina, e
lentamente caminhando naquela direção. Ansioso, não menos temeroso, aguardei-o
se aproximar ainda mais e assim saber se era o tal homem. E se o fosse
logicamente que chegaria até onde eu estava para fazer a estranhíssima e
misteriosa pergunta.
Sempre
lentamente, de cabeça baixa, veio caminhando até se posicionar diante de mim.
Somente nesse momento levantou o rosto e – mesmo com as poucas luzes da
madrugada – pude perceber o desenho de uma pessoa absolutamente frágil,
melancolicamente entristecida, nada que pudesse apresentar qualquer perigo.
Mirei bem nos
seus olhos e ouvi saindo de sua voz pesarosa: “Boa noite moço. Desculpe, mas
posso fazer uma pergunta?”. Retribui a saudação e afirmei que sim, que podia
perguntar o que quisesse.
Então ele
continua, e agora com a instigante pergunta: “Moço, no passado ou mesmo nos
dias mais presentes, o rapaz teve algum dia daqueles que considera como
perdido, daqueles que preferia não ter vivido e que até hoje prefere
esquecer?”.

Juro por Deus
que tive pena do homem enquanto o ouvia falar. Não sei bem, mas as suas
palavras eram tomadas de tristeza, de dor, angústia, aflição, desespero, enfim,
sentimentos de dilacerar coração. Foi assim que senti. Meu Deus, disse a mim
mesmo, já sei o que se esconde por trás dessa pergunta, o que verdadeira reside
nessas entrelinhas desesperadas.
Tomando por
uma terrível aflição - talvez ainda maior que a do homem - consegui encontrar
forças para dizer que só responderia se antes me dissesse por que precisava
tanto saber dos dias não vividos pelos outros. Pensei que ele não responderia,
mas pelo contrário. No mesmo instante baixou a cabeça e com os olhos
lacrimejando respondeu:
“É que não
desde muito não tenho dias felizes, não sinto alegria nem tenho qualquer prazer
nessa vida. Por isso que vivo catando os dias infelizes dos outros, aqueles que
ninguém quer, para juntar tudo e ver se consigo transformá-los num instante de
felicidade em minha vida”.
Poeta e
cronista
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