Por: Rangel Alves da Costa(*)
EM
CIMA DO MONTE SAH’Y
Até parece que
o Monte Sah’y já me esperava há séculos. Ao chegar ao seu topo, logo senti que
não havia sido vão tanto sacrifício para alcançá-lo. Estava cansado sim,
exausto, estropiado, sangrando nos pés e nas mãos, mas infinitamente feliz e
satisfeito.
Coloquei no
chão o velho alforje com nada dentro, derrubei de lado cantil esvaziado, tirei
tudo que restava de cima de mim e, completamente nu, me joguei por cima da
terra sagrada. Silenciosamente contrito, entregue ao prazer de sentir como que
cada grão estivesse entrando no meu corpo, assim permaneci até ser tomado por
lágrimas.
Primeiro as
lágrimas, depois o choro compulsivo, os soluços, o encharcar a terra com a
umidez da lavagem espiritual. Sem procurar conter o choro, apenas levantei um
pouco, me ajoelhei para que meus olhos nublados tentassem o enxergar o meu Deus
que já estava à minha presença, à minha frente, enorme, grandioso, visível.
Impossível
enxergar a feição de Deus de modo humano, de forma que pudesse sentir os traços
do seu rosto ou o brilho do seu olhar. Deus é presença de outro modo, é
compleição que se aperfeiçoa naquilo que queremos nele enxergar. Por isso mesmo
que Deus estava ali. E o avistei na única flor existente em cima da aridez
pedregosa do Monte Sah’y.
De lado a
outro, apenas tocos petrificados de árvores seculares, pedras e pedregulhos,
além de rochas escarpadas parecendo paredes erguidas pela natureza. Tais
imensas paredes ficavam posicionadas apenas de um dos lados do cume do monte,
mais precisamente na parte detrás do local de minha chegada.
Incrível que
aquelas formações pudessem existir ali, vez que não tinha cabimento algum
paredes rochosas, muito elevadas, tivessem sido formadas sem que houvesse nada
do outro lado permitindo aquele acúmulo de sedimentação. Mas se as paredes
estavam ali, então será que no outro lado havia alguma coisa a mais do que
simplesmente as costas nuas das rochas?
Estava tão
diante de tais formações que tudo nada mais parecia que não uma imensidão à
minha frente. Recuei um pouco e comecei a ver as paredes de modo diferente. Já
não eram apenas pedras dispostas verticalmente, mas linhas que já permitiam
compreender algo além de meras rochas. Voltei mais um pouco, e depois ainda
mais, e quando já estava quase no limiar entre o cume e o nada então abri os olhos
o máximo possível. E no espanto a certeza.
Era difícil
acreditar diante do que agora se mostrava tão claramente à minha frente. Uma
imensa igreja, um grandioso templo, a mais linda das catedrais. Sem portas
esculpidas na pedra, sem campanários, sem sinos que badalassem chamando os
anjos, sem cúpula, sem altar, sem velas acesas, sem imagens, mas uma perfeita
catedral. E com tudo isso, como eu perceberia depois.
Os rochedos
eram três, dois menores de cada lado e um mais alto ao centro. As formações se
entrelaçando permitiam a visão de uma só construção. A frente da catedral
estava perfeita, linda, irretocável. Húmus descendo pelas frestas davam uma
sensação de entorno das paredes, ora mais envelhecidas ora mais reluzentes.
Sulcos abertos ao longo do tempo permitiam concavidades nas paredes que faziam
lembrar entradas. Eram as portas da catedral.
Na parte mais
alta da rocha do meio, bem lá no alto, um pássaro estranho fazia ninho. De
baixo, do local onde eu estava, dava para perceber os gravetos em círculo e o
passarinho entrar e sair dali. Não podia ser outra coisa, era um ninho. Mas que
pássaro era aquele, bonito, majestoso, maior que os pássaros comuns que povoam
os cumes das montanhas e montes?
Ao chegar o
entardecer, e eu estando ajoelhado diante do grande templo, senti que uma
imensa nuvem baixou a tal ponto de esconder nas suas vagas o ninho do
passarinho lá em cima. Achando tudo muito estranho, porém sem temer nada ruim,
permaneci por muito tempo lançando o olhar para a nuvem, mais precisamente para
ver se voltava a avistar o ninho e o passarinho.
Mas quando
escureceu mais um pouco, o que na hora dos homens seriam seis horas da noite,
eis que ouço um canto majestoso vindo lá de cima. O sino da igreja, a campânula
da igreja chamando os fiéis à missa, logo pensei. E em seguida o pássaro desceu
imponente, de asas abertas, todo iluminado. Eis o Espírito Santo.
E abri os
braços em reverência em cima da Monte Sah’y. E naquela noite Deus celebrou a
missa da minha vitória.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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