Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Vez por outra
nos deparamos com a letra de uma música muito parecida com outra. Uma criação
poética, mesmo original, não nos distancia de outra poesia. Romances parecem
ser copiados, grande parte da arte com feições preexistentes. Seria plágio?
Não se caracteriza
como plágio aquilo que, mesmo tendo proximidade ou apresentando reconhecidas
coincidências, não foi tomada da obra de outro artista e passou a ter a
assinatura de outro autor. Tratar sobre o mesmo não é cometer furto literário.
Também não é
plágio a imitação, desde que o artista imitador não apresente como sua a obra
de outro. Do mesmo modo, não se pode ter como afanação artística ou literária
aquele que se utiliza de um pano de fundo já trabalhado por outro para ali
produzir sua obra, ainda que se utilizando da mesma trama.
Se todo pano
de fundo literário fosse passível de furto artístico nem se falaria na
genialidade de Shakespeare. Ora, o grande poeta buscou nas antigas tradições
literárias muitos dos motivos para a sua produção. E ninguém pode afirmar que
ele não passou de um plagiador.
Para se ter
uma ideia, quantos escritores já se utilizaram da lenda de Mefistófeles, cujo
mito do ser que pactua com as forças do mal para ter a vida eterna e a
sabedoria deu vida ao personagem Fausto? Goethe foi apenas um dos muitos que
beberam na fonte do mito para produzir narrativa literária.

Quantos
contornos já ganharam a Bela Adormecida, O Médico e o Monstro, Frankenstein,
Romeu e Julieta, A Divina Comédia, A Eneida, Ulisses? Por falar em Ulisses,
James Joyce plagiou a Odisseia de Homero? Lógico que não. O escritor pode
adaptar a um novo tempo uma tragédia antiga, uma fábula, um mito.
Contudo,
verdade é que existem criações que mesmo possuindo assinaturas distintas não
deixam de ser praticamente um plágio. Neste caso, as coincidências são tantas
que não haveria como o autor posterior não ter praticamente copiado a criação
anterior.
Temos exemplo
desse tipo no poema “Instantes” - que por muito tempo foi atribuído a Jorge
Luís Borges, mas que é de autoria da americana Nadine Stair – em comparação à
letra da música “Epitáfio”, cantada pelo grupo Titãs, e de autoria de Sérgio
Britto. Vejamos primeiro uma parte de “Instantes”:
“Se eu pudesse
novamente viver a minha vida,
na próxima
trataria de cometer mais erros.
Não tentaria
ser tão perfeito,
relaxaria
mais, seria mais tolo do que tenho sido.
Na verdade,
bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos
higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres,
subiria mais
montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais
lugares onde nunca fui,
tomaria mais
sorvetes e menos lentilha,
teria mais
problemas reais e menos problemas imaginários...”.
E “Epitáfio”:
“Devia ter
amado mais
Ter chorado
mais
Ter visto o
sol nascer
Devia ter
arriscado mais
E até errado
mais
Ter feito o
que eu queria fazer...
Queria ter
aceitado
As pessoas
como elas são
Cada um sabe a
alegria
E a dor que
traz no coração...
....................
Devia ter
complicado menos
Trabalhado
menos
Ter visto o sol
se pôr
Devia ter me
importado menos
Com problemas
pequenos
Ter morrido de
amor...”.
Alguma
coincidência? E outra coincidência se verá adiante, e entre o poema “No
caminho, com Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa, e um texto de Martin
Niemöller, de 1933. Neste caso, porém, não há identidade nos motivos dos versos
como os observados acima, mas um paralelo de justificação, ou seja, os dois
escritos acabam tendo o mesmo contexto por fundamentos diferentes.
Eis o que
consta de parte dos versos de “No caminho, com Maiakovski”:
“Na primeira
noite eles se aproximam
e roubam uma
flor
do nosso
jardim.
E não dizemos
nada.
Na segunda
noite, já não se escondem;
pisam as
flores,
matam nosso
cão,
e não dizemos
nada.
Até que um
dia,
o mais frágil
deles
entra sozinho
em nossa casa,
rouba-nos a
luz, e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos a
voz da garganta.
E já não
podemos dizer nada...”.
E o que se
contém no poema de Martin Niemöller:
“Um dia vieram
e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou
judeu, não me incomodei.
N o dia
seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou
comunista, não me incomodei.
No terceiro
dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou
católico, não me incomodei.
No quarto dia,
vieram e me levaram;
já não havia
mais ninguém para reclamar”.
Como
observado, as inspirações de autores em autores são mais intensas do que
imagina nossa vã filosofia. Estaria eu furtando tal assertiva de alguém? Que me
desculpe Shakespeare, mas ser ou não ser, eis a questão. Como muitas vezes não
dão validade nem reconhecimento às criações literárias próprias, então será
preciso beber na fonte famosa para o reconhecimento. Ao menos como plagiador.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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