Por: Clerisvaldo B. Chagas, Crônica Nº 875

CARNEIRO
E SERRADOR
A hoje chamada
Literatura de Cordel contribuiu magnificamente para o aprendizado e o hábito da
leitura no Nordeste. Aprendi muito com o mundo encantado dos poetas escreventes
e repentistas. Geralmente quem escrevia cordel era o poeta repentista
aposentado, o vate que não usava o repente, ou o simples apologista. O poeta
nato faz tudo perfeito. O que tem apenas a veia poética, constantemente se
engancha na métrica, ficando a estrofe capenga. É igual a um piso em que as
peças ficam assentadas desiguais, provocando topadas. Rimas sem métrica doem
nos ouvidos e irritam na leitura. Muitos não querem que a literatura tenha nome
cordel e sim, cordão. Os cordões, tipos barbantes sustentavam os livretos
vendidos nas bancas de feiras, mas esses folhetos também eram expostos no chão,
sobre um pequeno pedaço de pano ou de lona. Ali o próprio autor vendia os seus
trabalhos lendo para o povo as suas obras. Acontecia ainda a ocasião em que o
vendedor era apenas um intermediário, porém, tinha veia poética, voz bonita e
outros dons que convenciam à compra. Um desses folhetos que ainda faz sucesso
foi publicado em 1954 por João Martins de Athayde: “Peleja de Serrador e
Carneiro”. Nessa linguagem, “peleja” é uma cantoria entre dois repentistas
nordestinos.
Li inúmeros folhetos
e decorei muitos versos. Na peleja acima, tem uma passagem em que o poeta
Serrador aproveita o nome do oponente e diz:
“O sítio de
Serrador
Está pra
quiser vê-lo
A estrada é
larga e franca
Que passa até
um camelo
Mas se um
carneiro for lá
Se arrisca à
onça a comê-lo”.
Ora, como pode
um simples carneiro, tão manso e tão humilde sair-se de uma enrascada dessa? O
mesmo João Martins de Athayde vai para a boca do seu personagem e responde:
“Serrador se
você visse
Desse carneiro
as marradas
Você saia
correndo
Vendendo
azeite às canadas
Passava de
porta em porta
Avisando aos
camaradas”
Relembrando essa
passagem meditei sobre a situação do povo. Carneiro é apresentado como animal
dócil e presa fácil. Mas quando cisma, todos têm medo da sua marrada que pode
matar até mesmo um touro. As multidões enganadas pelos suas lideranças sofrem
os desenganos, anos a fio, como rebanhos de ovinos conformados. Como seria
diferente se tivessem a consciência da força que possuem. Na obra poética do
velho mestre Athayde, brilha uma lição de bastidores na peleja entre CARNEIRO E
SERRADOR.
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