sexta-feira, 26 de outubro de 2012

ANJO AVESSO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

ANJO AVESSO 

Não que fosse anjo mau, anjo rebelde ou insubordinado. Também não era anjo caído, passado para o lado do mal. Era apenas um anjo, mas anjo avesso, e tudo o mais que isso possa significar.

Na verdade, o ente espiritual poderia ser melhor caracterizado como anjo guardião, mas que, por gostar de tomar decisões próprias, retransmitir as mensagens que bem entendesse, e agir segundo a sua própria consciência angelical, havia se tornado avesso.

Anjo avesso, contudo, não significa querubim que abdica de sua função e passa para o outro lado; não quer dizer serafim que de repente passa a se contrapor aos seus superiores no coro; não quer exprimir a ideia de que um trono oculta por debaixo de suas asas um caráter nada angelical.


Nada disso. Não há uma face maléfica que de repente transforma o anjo num ser da escuridão. Anjo avesso apenas porque num momento ou outro se esquece, ou finge esquecer, de sua condição de entidade espiritual, de criatura celestial enviada a terra como mensageiro e zeloso protetor – deslembrando até que possui asas e pode voar -, para testar e usufruir dos sentimentos humanos.

Então eis o maior perigo. Um ente que desce cheio de compromissos, recomendações, afazeres e tudo o mais que for necessário para bem guardar o seu protegido, em momento algum pode fraquejar e querer imitar ou sentir as agruras e as fragilidades humanas. Um anjo que ao invés de guardião se torna num cúmplice não serve a que veio. Não passará de anjo avesso.

Mas um dia aconteceu o inesperado. E creio que acontece muito mais do que imagina nossa vã e frágil filosofia celestial. Mas seja como for, verdade é que um anjo de primeira viagem, talvez ainda em estágio probatório, foi enviado a terra para cumprir a espinhosa missão de guardar um coração apaixonado, vez que o temor maior lá em cima era que de repente a pessoa perdesse totalmente o controle e fizesse uma besteira. E ainda não havia chegada a sua hora.

O anjo jurou obediência, afiançou ainda não desrespeitar sob hipótese alguma as ordens e as prescrições recebidas. Então desceu todo feliz e sorridente, planando bem acima para depois descer e ficar ao lado do seu guardiado. Mas não era homem, e sim uma bela jovem que logo jurou ter igual beleza aos pares femininos lá em cima.

E a beleza causou um impacto tão grande no anjo estreante, que num breve instante já estava esquecendo as ordens recebidas. E começou a agir perigosamente. E não somente isso, pois de vez em quando esquecia que estava ao lado da guardiada para servir-lhe de guia e proteção, que estava ali com a incumbência de transmitir e enviar mensagens, que precisava agir de forma diferenciada perante a pessoa sob seu manto.

E então tudo desandava, e quem soubesse das estripulias praticadas nem imaginaria ser arte ou da parte de anjo. Eis que certa feita deixou vagando sozinha e à beira de precipício aquela mulher completamente tresloucada de paixão. Depois justificou o negligenciamento dizendo ser bem feito alçar doloroso voo aquela que tencione trocar a vida por um amor não correspondido. Melhor seria se amasse um anjo. E foi a gota d’água.

Sentindo-se repentinamente puxado para o alto, subindo sem querer, ao pousar no palácio dos anjos já estava com o pensamento cheio de mentiras para contar. Sabia por que havia sido chamado daquele jeito, tão bruscamente, mas não confessaria de jeito nenhum que estava apaixonado e exatamente por aquela que deveria proteger dos perigos do amor e da paixão. Então começou dizendo que não gostava de estar ao seu lado porque era muito feia.


Sentindo ele mesmo a fragilidade de tal afirmação, teve de se esforçar diante do anjo superior para não ser penalizado e jogado ao meio dos anjos caídos. Então pediu mil perdões e ajoelhado com as asas recolhidas disse que talvez não suportasse ouvir o clamor de um coração apaixonado, pois toda vez que escutava falar em amor tinha vontade de transgredir sua função angelical e amar como pessoa qualquer.

E disse, enfim: Manda-me de volta a terra como homem e por enquanto não precisarás mais de anjo para protegê-la. O amor que tenho e pretendo oferecê-la, juro em Deus, é mais forte e muito mais poderoso do que todos os coros, legiões e falanges de anjos.
  
Biografia do autor: 

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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