Por: Rangel Alves da Costa(*)
ANJO
AVESSO
Não que fosse
anjo mau, anjo rebelde ou insubordinado. Também não era anjo caído, passado
para o lado do mal. Era apenas um anjo, mas anjo avesso, e tudo o mais que isso
possa significar.
Na verdade, o
ente espiritual poderia ser melhor caracterizado como anjo guardião, mas que,
por gostar de tomar decisões próprias, retransmitir as mensagens que bem
entendesse, e agir segundo a sua própria consciência angelical, havia se
tornado avesso.
Anjo avesso,
contudo, não significa querubim que abdica de sua função e passa para o outro
lado; não quer dizer serafim que de repente passa a se contrapor aos seus
superiores no coro; não quer exprimir a ideia de que um trono oculta por
debaixo de suas asas um caráter nada angelical.

Nada disso.
Não há uma face maléfica que de repente transforma o anjo num ser da escuridão.
Anjo avesso apenas porque num momento ou outro se esquece, ou finge esquecer,
de sua condição de entidade espiritual, de criatura celestial enviada a terra
como mensageiro e zeloso protetor – deslembrando até que possui asas e pode
voar -, para testar e usufruir dos sentimentos humanos.
Então eis o
maior perigo. Um ente que desce cheio de compromissos, recomendações, afazeres
e tudo o mais que for necessário para bem guardar o seu protegido, em momento
algum pode fraquejar e querer imitar ou sentir as agruras e as fragilidades
humanas. Um anjo que ao invés de guardião se torna num cúmplice não serve a que
veio. Não passará de anjo avesso.
Mas um dia
aconteceu o inesperado. E creio que acontece muito mais do que imagina nossa vã
e frágil filosofia celestial. Mas seja como for, verdade é que um anjo de
primeira viagem, talvez ainda em estágio probatório, foi enviado a terra para
cumprir a espinhosa missão de guardar um coração apaixonado, vez que o temor
maior lá em cima era que de repente a pessoa perdesse totalmente o controle e
fizesse uma besteira. E ainda não havia chegada a sua hora.
O anjo jurou
obediência, afiançou ainda não desrespeitar sob hipótese alguma as ordens e as
prescrições recebidas. Então desceu todo feliz e sorridente, planando bem acima
para depois descer e ficar ao lado do seu guardiado. Mas não era homem, e sim
uma bela jovem que logo jurou ter igual beleza aos pares femininos lá em cima.
E a beleza
causou um impacto tão grande no anjo estreante, que num breve instante já
estava esquecendo as ordens recebidas. E começou a agir perigosamente. E não
somente isso, pois de vez em quando esquecia que estava ao lado da guardiada
para servir-lhe de guia e proteção, que estava ali com a incumbência de
transmitir e enviar mensagens, que precisava agir de forma diferenciada perante
a pessoa sob seu manto.
E então tudo
desandava, e quem soubesse das estripulias praticadas nem imaginaria ser arte
ou da parte de anjo. Eis que certa feita deixou vagando sozinha e à beira de
precipício aquela mulher completamente tresloucada de paixão. Depois justificou
o negligenciamento dizendo ser bem feito alçar doloroso voo aquela que tencione
trocar a vida por um amor não correspondido. Melhor seria se amasse um anjo. E
foi a gota d’água.
Sentindo-se
repentinamente puxado para o alto, subindo sem querer, ao pousar no palácio dos
anjos já estava com o pensamento cheio de mentiras para contar. Sabia por que
havia sido chamado daquele jeito, tão bruscamente, mas não confessaria de jeito
nenhum que estava apaixonado e exatamente por aquela que deveria proteger dos
perigos do amor e da paixão. Então começou dizendo que não gostava de estar ao
seu lado porque era muito feia.

Sentindo ele
mesmo a fragilidade de tal afirmação, teve de se esforçar diante do anjo
superior para não ser penalizado e jogado ao meio dos anjos caídos. Então pediu
mil perdões e ajoelhado com as asas recolhidas disse que talvez não suportasse
ouvir o clamor de um coração apaixonado, pois toda vez que escutava falar em
amor tinha vontade de transgredir sua função angelical e amar como pessoa
qualquer.
E disse,
enfim: Manda-me de volta a terra como homem e por enquanto não precisarás mais
de anjo para protegê-la. O amor que tenho e pretendo oferecê-la, juro em Deus,
é mais forte e muito mais poderoso do que todos os coros, legiões e falanges de
anjos.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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