Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
ARTE DE ROUBAR GALINHAS
Lembro-me bem
que roubar galinhas era uma arte exercida com precisão e maestria toda vez que,
já altas horas da noite, a turma continuava reunida bebericando na povoação
sertaneja onde nasci.
O que se
praticava era furto, mas ninguém sabia da exatidão do tipo penal. Então era
roubo mesmo, ainda que na calma adormecida dos quintais daqueles tempos.
Quintais de galinhas gordas, de capoeira, criadas para os momentos especiais da
família.
Ao ilícito da
noite seguiam-se os temores e os burburinhos. Os comentários eram muitos,
principalmente se as vítimas dos delitos farristas percebiam logo o desfalque
no seu poleiro. Contudo, o roubo das penosas era uma arte tão levada a sério
que dificilmente se chegava aos nomes dos culpados.
Ora, eram
muitos os envolvidos, os cúmplices, os partícipes e co-autores, para citar
termos penais que falam em crimes praticados conjuntamente ou com auxílio. Não
obstante isso, muitas vezes gente da própria casa cujo galinheiro havia sido
afanado era quem dava a dica de como chegar até o poleiro sem acordar o dono.

O itinerário
do roubo das galinhas era muito simples, contando com modos de agir parecidos,
geralmente com as mesmas pessoas envolvidas e com qualquer um que tivesse mais
de três galinhas do quintal. Os boêmios resolveram que seria criminoso demais
roubar uma penosa de quem não tinha mais de três no quintal.
Se o número
fosse maior, então podia ser gente rica ou pobre, remediada ou morando em casa
de barro. Por isso mesmo que a maioria dos donos de quintais tinha o maior
temor quando em noite fechada ouviam o cachorro latir pelos fundos ou mesmo
pressentia algo errado perto do galinheiro.
Os cuidados
eram muitos, intensas as preocupações, contínuas as vigilâncias. Mas não
adiantava nada diante das artimanhas, da maestria e das estratégias dos
meliantes farristas. Parecia que o álcool consumido, as cervejas em profusão ou
as doses à exaustão, faziam nascer naquelas mentalidades ações criminosas
perfeitas.
Com um porém.
A argúcia, o planejamento e a ação delitiva galinheira não passava disso. Toda
a ação se voltava para a subtração das penosas e nisso se bastava. E furto
quase famélico, vez que uma vez afanada a penosa, logo era colocada na panela
para matar a fome dos farristas. Por isso mesmo jamais foi planejado e levado a
efeito qualquer outro tipo de ação criminosa que não tivesse por objeto o roubo
de galinhas.
Verdade é que
os garotos, os rapazes, a juventude enfim, já conheciam de antemão os quintais
que mais tarde poderiam ser atacados. Muitos dos participantes dessas farras
noturnas diziam quantas galinhas havia no seu quintal e qual a melhor forma de
chegar lá sem despertar o sono de seu pai ou sua mãe. E todos sendo do mesmo
lugar, amigos de todo mundo, então já sabiam de cor e salteado de onde sairia o
tira-gosto daquela noite.
Contudo,
tinham o máximo cuidado para não incorrer em alguns erros tão comuns ou que já
tinham prejudicado investidas anteriores. Assim, sabiam que não era boa ideia
repetir a ação seguidamente no mesmo quintal, ainda que ali existissem muitas
galinhas. Quintal que tivesse cachorro, o próprio morador e partícipe seguia na
frente para cuidar do bicho. Quintal com muro era melhor evitar.
E se, durante
o evento furtivo, a galinha afanada começasse a querer botar tudo a perder, com
barulhos e cacarejos? Isso era um problema sério e que colocava em perigo toda
a estratégia. Para evitar isso, então o encarregado da noite levava caroços de
milho no bolso e umas três pedrinhas na mão.
Começava a
atirar pedras e assim que as galinhas despertassem jogava um tiquinho de milho.
E ia jogando cada vez mais perto até onde estava escondido. E quando a penosa
estava ao seu alcance não tinha erro. Era só avançar, segurá-la pelo pescoço e
colocar um pano envolto à cabeça. Depois era só entregá-la ao cozinheiro da
noite.

Antes da
empreitada pelos quintais, a panela já ficava com água para ferver. A penosa já
chegava descangotada e colocada inteira na água borbulhante. Cinco minutos
depois e já tiravam apressadamente as penas, cortando-a em pedaços a seguir e
colocada de volta em outra água e com o tempero que houvesse. E mais alguns
minutos e o óleo da galinha gorda já escorria nos dedos dos farristas.
Afanar a
penosa não era tão difícil assim, cozinhar também não. Com cerveja ou outra
bebida, qualquer tempero é saboroso na galinha caipira gorda. O problema maior
era saber qual destinação dar as penas. O delito todo mundo poderia negar no
outro dia. Mas se o dono da casa percebesse o sumiço e depois encontrasse as
penas esquecidas num local qualquer, então o problema estava criado.
Por diversas
vezes donos de quintais galinheiros chegaram à delegacia relatando fatos e
tendo à mão a prova da materialidade delitiva: as penas. Por isso mesmo que um
amigo interiorano tinha o cuido de recolher todas as penas e levar
cuidadosamente pra casa. Depois as transformava em enchimentos de travesseiro
e, segundo ele, tinha sempre um sono leve e tranquilo.
Só que muitas
vezes sonhava abraçando e beijando galinhas de capoeira. E também o galo, de
vez em quando.
Poeta e
cronista
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