Por: Rangel Alves da Costa(*)
Tarde,
entardecer, e vai soprando o vento no varal. Seria um sopro qualquer embalando
roupas e panos, mas não. Há um sopro diferente, poético e instigante.
Vento no varal
é poesia. Poesia e solidão. Solidão e melancolia. Uma tristeza que embalança ao
sopro da voragem do instante.
Manhã, logo
cedinho, e as roupas são lavadas e estendidas no quintal ou pelos arredores da
casa. Um imenso varal, erguido na nudez do tempo, pronto a enxugar.
Depois de
lavada, a roupa vai sendo estendida no varal. Após isso, o premeditado
esquecimento, com as peças ali permanecendo até o tom avermelhado do
entardecer.
Dependendo do
tempo, de céu limpo e sem ameaça de chuva, com o descampado aberto e o vento
sempre avançando, nada demora a secar. A magia do clima, do tempo.
E de repente
os esvoaçamentos já começam a ser sentidos. As peças mais finas dançam,
balançam, querem se enroscar, para depois desfraldar novamente em véu.
Nos quintais
mais fechados, o varal recebe todo tipo de roupa e pano. Calça, camisa,
vestido, saia, calcinha, cueca, toalha, fronha, cobertor, pano de prato. Tudo.
Mas no varal
erguido noutro lugar, à vista de quem passa ao redor, somente peças escolhidas
são estendidas. Também se evita de colocar panos furados ou remendados.
E é no varal
externo que também se estende a poesia, a solidão, a melancolia, a tristeza, um
aspecto solitário e de desalento. No olhar de cada um vai surgindo muito mais.
Mas não só
sentimentalmente aflitivas, pois a dança das roupas, os seus esvoaçamentos,
permite uma imagem de liberdade, de serenidade, de paz ao ar livre.
Assim, quando
estão secas e o vento da tarde sopra mais forte, as roupas do varal se
embalançam sem parar. Ali a dança, o passo, o voo, a vontade de partir pelo ar.
O sopro do
vento e a valsa da roupa seca. O sopro do vento e o bailado ao entardecer. O
sopro do vento e os lenços de despedida num aceno constante e entristecido
demais.
Ao vento,
dançando ao seu sabor, as roupas são bandeiras brancas e de toda cor; são panos
de mastros de barcos distantes; são flâmulas esquecidas em solitárias janelas.
Mas muita coisa
pode acontecer antes disso. A velha senhora coloca uma cadeira e começa a se
balançar bem ao lado do varal. Adormece, sonha e também se embalança.
Os pardais,
talvez conhecendo aquelas roupas e gostando de seus donos, chegam em revoada e
cuidadosamente vão pousando entre as peças estendidas. Parece um retrato.
Quando alçam
voo, e todos de uma só vez, se embalançam no ar enquanto as roupas parecem
querer voar. Seguem adiante e as roupas ficam acenando em despedida.
Bem ao lado há
um campinho de futebol. Nele a meninada se concentra ao cair da tarde para
brincar de bola. Um dia fizeram do varal uma trave de campo. E deu no que deu.
Depois que
umas roupas foram pelos ares e outras ficaram imundas, a velha senhora foi escolhida
para sentar ali pertinho ao entardecer. Mas dorme que nem ouve a meninada.
Se forem
brancas as roupas estendidas, a mocinha do outro lado da rua se esconde por
trás da cortina da janela e logo começa a chorar. Ninguém sabe o motivo de ser
assim.
Mas ela sabe e
por isso chora. E chora muito, de soluçar. Seus olhos só enxergam flores
brancas, lírios, orquídeas, rosas, tulipas, e pensa que estão num altar
nupcial.
Ao imaginar as
flores brancas, pensar num casamento e sentir seu desalento de solidão, sem
esperança nem de namorar, então se derrama num pranto sem fim.
Mas a mulher
da outra rua, uma vizinha fofoqueira e maldosa, enxerga tudo diferente. Avista
tudo envelhecido, feio, com rasgões. Nem se comparam com as que ela possui.
Alguém já
disse ter avistado uma roupa abraçando outra. Mais que isso, viu as roupas em
verdadeiro valsado, lentamente bailando ao sabor da orquestra suave da
ventania.
A mulher
sempre estendia ali a roupa do falecido esposo. E sentava na calçada sentindo
um antigo perfume e imaginando sendo abraçada. E sonhava com o seu amado.
Os varais
possuem asas. Um dia disse um menino tristonho. E queria que sua mãe lhe
estendesse ali. Queria voar. E voou na sua camisa remendada. E era a única que
possuía.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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