Por: Rangel Alves
da Costa(*)
UMA POBREZA RICA
A humildade e
a aceitação do que dispõe em determinado momento, são características
essenciais da pobreza que sobrevive sem estar a todo instante maldizendo a vida
e a sorte.
É uma pobreza
rica e que vive com mais felicidade do que muitas riquezas abundantes. Aquela
sempre se contenta com o que adquire para sobreviver, enquanto esta se
atormenta querendo cada vez mais.
A burguesia, o
poderio econômico, a riqueza mesmo, jamais se contentaria em sentar numa mesa
para comer qualquer coisa que fosse servida. O cardápio deve corresponder às
exigências do luxo.
Comenta-se de
uma grã-finagem que usa pouquíssimas vezes a roupa importada a peso de ouro.
Uísque é pela idade, vinho pela safra, música pela orquestra, o luxo pelo
melhor. Menos que isso seria verdadeira desonra humana.
Contudo,
afirmo sem medo de errar, que são poucos em meio à riqueza que são tão ricos
quanto os pobres na maior pobreza. Isto porque a riqueza destes está no ter
para sobreviver, e não na quantidade do que se tem.
Pago dobrado
em ouro a quem me disser que existe num rico uma felicidade maior do que aquela
encontrada num pai de família ao sentir os filhos de barriga cheia. Não há
contentamento maior num coração de um pobre do que saber que naquele dia um
filho pequenino não vai chorar de barriga vazia.
A pobreza
mesmo, aquela miserável feiura que se alastra pelas distâncias nordestinas, não
quer além do que precisa ter. Não precisa de caviar, de pratos difíceis de
pronunciar nem de bebidas importadas.
Também não
precisa de relógio de ouro, de caneta prateada, de perfume importado, de
gravata sob encomenda, de roupa de grife. Nada disso. Mas agradecerá muito se
receber um pedaço de pano, uma roupa de feira, uma cesta de alimentos, um quilo
disso ou daquilo.
Quando
Joãosinho Trinta afirmou que pobre gosta mesmo é de luxo, certamente estava se
referindo ao esplendor do carnaval tão admirado pela comunidade pobre que dele
participa. Não possui outro sentido sua afirmação.
O verdadeiro
luxo do pobre, aquele em que pode brilhar no dia a dia, está mesmo na sua
humildade vaidade. Menina pobre quando coloca vestida de chita e uma flor no
cabelo fica mais bela que a princesa mais bela.
E a riqueza do
pobre é maior que todas as demais riquezas porque singela, humana, simples,
modesta. É uma riqueza que vai muito além da aparência material, pois existente
no espírito, na alma, na feição. E é tão fácil ver a riqueza de um pobre.
É fácil, sim,
ver a riqueza de um pobre e sentir todo o seu esplendor e extravasamento. Um
dia adentre um barraco ou uma casinha de barro e ripa de fim de mundo, e veja
se avista um sorriso na face, um brilho no olhar, uma palavra de felicidade.
Se assim
acontecer é porque a riqueza poderá ser encontrada logo adiante. Certamente
haverá um fogão de lenha aceso, uma panela cozinhando alguma coisa, um pacote
de pão sobre a mesa, uma feirinha por cima da mesa, um preá por cima do
braseiro.
Não precisa
ser tudo isso de uma vez só não. Basta que o alimento do dia - pouca coisa ou
qualquer coisa - esteja garantido e o brilho da riqueza estará em cada olhar
profundo, sofrido, padecente.
Quanta riqueza
em cima da mesa de um pobre: ovo frito, pedaço de mortadela, pilombeta, pão
dormido, resto de feira, sopa de osso, perna de preá torrado, farinha seca,
bolachão, rapadura, carne seca. Basta uma mão encontrar um pão e logo se vê os
olhos de rei.
Talvez o rico
não sinta fome. E talvez por isso mesmo não saiba a riqueza que é não ter fome.
Tem um povo que sabe. E está no sertão, nas favelas, nos escondidos do mundo. E
é o valor imenso que dá a tudo que tem que o torna de infinita riqueza.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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