Por: Rangel Alves
da Costa(*)
De repente se
viu em meio à multidão. Não estava ali para protestar contra os preços de
tarifas, a corrupção desenfreada nas instituições de poder, os gastos
exorbitantes com os estádios da copa nem contra as mazelas na educação, na
segurança, na saúde e nos demais serviços básicos à população. Nada disso. Não
estava ali nem para o grito nem para o protesto.
Estava ali,
sim, à procura de alguém no meio da multidão. Por mais que fosse pessoa
revoltada com a situação insustentável do país, principalmente pelos poderes
apodrecidos e a devassidão da classe política, ainda assim estava em busca de,
talvez, encontrar um grito conhecido no meio da multidão.
Se fosse
noutros tempos, certamente seria a primeira pessoa a empunhar bandeira de luta,
a soltar o grito preso na garganta, a marchar pelas ruas sem medo de
repressões. Num tempo que lia livros vermelhos, tinha sonhos reacionários,
procurava transformar o mundo através das manifestações antiburguesas,
anti-imperialistas, anticapitalistas, anti qualquer coisa que afrontasse a
dignidade do povo.
Num tempo de
devoção especial pelas causas comunistas, pela luta do proletariado frente à
ganância e a desumanidade do capitalismo, pelo sonho maior de tomar o poder
através dos ideários revolucionários. Noites adentro, sob a luz de velas, lendo
aqueles livros proibidos de estar nas estantes das livrarias, pelo teor
subversivo que continham.
Possuía
dezenas de manuais de guerrilhas urbanas e nas selvas, e também grande número
de livros sobre Trotsky, Lenin, Fidel Castro, Mao Tse-Tung, Che Guevara, Rosa
Luxemburgo, Karl Marx, Engels, Proudhon, Bakunin, Gramsci, bem como obras
conceituais sobre materialismo, socialismo, anarquismo, guerrilha, revolução e
luta proletária, dentre outros temas.
Mas era pessoa
normal. Não comentava com qualquer um sobre seus ideários, seus sonhos
revolucionários ou suas propensões para as lutas em nome dos menos favorecidos.
Somente perante amigos confiáveis, adeptos do mesmo pensamento ideológico e
verdadeiros revolucionários às sombras, é que planejava, idealizava e dialogava
suas utopias. Mas nunca conseguia mudar nada. Um país grande demais para pouca
gente lutando.
Havia sido
liderança estudantil, participado de sindicato, redigido muitos manifestos para
ser entregues em portas de fábricas, erguido a voz conclamando os desiguais
para a luta contra os iguais no poder e na riqueza. Fazia isso com tanta
vontade, tanta ênfase e disposição, que chegava a ficar um dia inteiro se
alimentando somente da esperança de transformação. E nada conseguia. A classe
por quem tanto lutava acabava se submetendo aos donos do poder.
Um dia, depois
de sofrer prisão para averiguação e ter de suportar torturas para não delatar
amigos, resolveu que sua guerrilha havia terminado. Jamais mudaria qualquer
realidade ao redor se a própria classe sofrida não participasse dessa luta. E o
que via em todos era a passividade, a escravização consciente, a submissão
remunerada ao capitalismo. Não podia lutar em nome de todos. Então, mesmo se
martirizando por dentro, decidiu que era hora de depor suas armas.
E assim fez, e
assim continuou até ouvir os boatos sobre as manifestações tomando as ruas das
capitais e as televisões mostrando um povo encorajado pelas mudanças. Chorou ao
sentir que o povo, enfim, havia despertado e marchava, sem medo, pela estrada
da luta, da indignação frente à nefasta realidade política, social e econômica.
Desejou se somar àquelas multidões, erguer novamente a bandeira e gritar ódios
guardados desde muito. Mas resolveu que não. O seu tempo já havia passado.
Mas não podia
deixar de entrar no meio daquela multidão. Não mais para protestar, mas apenas
para ver se encontrava alguém que certamente estava ali, e novamente despejando
toda a sua fúria revolucionária. Desde muito que não o encontrava e, se vivo
estivesse, ali, em meio às milhares de pessoas, seria o único lugar onde
poderia reencontrá-lo. Então seguiu para o meio da manifestação popular.
Sem camiseta
com palavras de ordem, sem bandeira, sem cartaz, cara pintada, sem qualquer
palavra ou grito na boca. Apenas ela, tão solitária e muda em meio à imensidão
da massa. Em busca do grande amor de um dia. E um amor inesquecível como uma
guerrilha num coração ainda apaixonado. E ouviu um grito, uma voz, então olhou
na feição.
E que
revolução no coração. Era ele. Era ele sim. O despertar de uma nação.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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