terça-feira, 28 de abril de 2015

A ÁREA DO SERTÃO DO NORDESTE E A GEOGRAFIA DA FOME: PERMANÊNCIA E TRANSFORMAÇÕES

Por José Romero Araújo Cardoso e Marcela Ferreira Lopes

Publicado com grande aceitação em 1946, o livro Geografia da Fome de Josué de Castro propôs regionalização alicerçada nos padrões nutricionais apresentados pelo País, até então eminentemente agroexportador, cuja população concentrava-se majoritariamente na zona rural.

Analisando as condições alimentares apresentadas pela gente que habitava a área do sertão do Nordeste, Josué de Castro traçou linhas afirmativas sobre a região, frisando que a mesma teria condições de figurar de forma proeminente e positiva no mapeamento que realizou, em razão das características satisfatórias que a diferiam do conjunto brasileiro.

Conforme Josué de Castro, as longas e prolongadas estiagens tornam-se o diferencial no que tange à defasagem alimentar em épocas específicas e cíclicas que determinam a tormenta para a população sertaneja, independente de classes sociais.

A influência da falta d´água torna-se imperativa no rebaixamento das condições de vida local, pois marcada pela presença de rios intermitentes, sujeitos aos rigores climáticos, a área do sertão nordestino é condicionada pela ação dos agentes físicos, refletindo na elaboração próprio processo de produção do espaço.

Conforme o célebre cientista, o milho integra ativamente a dieta do homem sertanejo, destacando que ao contrário de outras áreas do planeta, na grande macrorregião que estruturou em sua proposta de regionalização há pontos positivos destacados no que diz respeito à utilização desse alimento pela população.

A inexpressiva presença de frutas ricas em vitaminas na dieta do homem regional está ligada aos fatores edafoclimáticos que notabilizam as condições naturais da região. Em manchas esparsas, a presença de frutos nativos como o umbu faz a diferença.

Ao milho, incorporavam-se verdadeira plêiade de outros alimentos, pois ao contrário da região açucareira, o sertão nordestino configurou-se embasado na produção para a subsistência, tornando-se bem mais democrática no quesito alimentação do que sua congênere litorânea, colonizada sob a égide do império mercantilista do cobiçado produto obtido através da empresa agrícola instalada, a qual definiu a ocupação territorial do quinhão português no Novo Mundo.

O binômio gado-algodão integrava indissociavelmente a paisagem sertaneja, quando da publicação da celebrada obra de Josué de Castro, estando integrado a esse a tradicional pecuária de pequeno porte.

A importância do rebanho caprino regional foi observada pelo autor. Metade do criatório nacional concentrava-se na região quando da publicação da Geografia da Fome no ano de 1946, com os Estados da Bahia e de Pernambuco ocupando a vanguarda.

Nos dias de hoje o rebanho de pequeno porte, abrigado no semiárido, com ênfase à caprinocultura, excede o percentual de noventa por cento. Os Estados que abrigavam majoritário percentual na época da publicação da Geografia da Fome, ainda continuam os mesmos.

Astúcia e impactação ambiental caracterizam a ação desses ruminantes doméstico de pequeno porte. A devastação do meio-ambiente ainda perfaz problema na cadeia produtiva da caprinocultura, pois os recursos tecnológicos utilizados ainda são incipientes.

A influência das culturas semita, negra e indígena na diversidade da culinária sertaneja também teve ênfase na Geografia da Fome, sendo indicada como fator positivo para a multiplicidade dos pratos regionais.   

As secas ainda representam graves fatores desagregantes do quadro físico e humano da área do sertão nordestino. Períodos de estiagens prolongadas, marcados pela força inclemente da natureza, ainda assinalam tormentas indescritíveis. Não obstante esforço de órgãos mantidos pelos governos, grande estiagem como a que marcou os anos de 1979-1983 deixou cicatrizes profundas.

O sertão nordestino se despovoa com rapidez impressionante. A cultura do algodão, até certo ponto tida como democrática, implementadora efetiva da geração de emprego e renda, foi desestruturada graças ao advento da praga do bicudo, desconhecida até o início da década de oitenta do século passado.

O agrobusiness, com a fruticultura tropical irrigada exigindo espaço consideráveis, antes destinados à agricultura de subsistência, assinala novo processo de inserção regional na economia globalizada.

O vertiginoso processo de desertificação de boa parte do semiárido vem ocasionando mudanças radicais na paisagem da região. O desmatamento sem controle tem trazido consequências danosas para o bioma e para a população, incidindo em declínio nutricional significativo.

Transformações significativas vem sendo levadas avante na párea do sertão nordestino, pois modos de vida tradicionais vem sendo substituídos pela força avassaladora dos novos tempos que imprime consideráveis mudanças nas caraterísticas da geografia humana do lugar.

Quando do centenário de nascimento de Josué de Castro, em setembro de 2008, o Jornal do Commércio, de Recife/PE, publicou uma série de reportagens sobre a permanência da fome no nordeste, mostrando que apesar das denúncias efetivadas na Geografia da Fome, ainda permanecem os sinais da exclusão através das negras manchas da desnutrição crônica que se espraiam sobre a região, gerando verdadeiro cataclisma na defasagem das condições da qualidade de vida da população.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Marcela Ferreira Lopes. Geógrafa/ UFCG/CFP. Graduanda em Pedagogia/UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária /UFCG/CCJS.

Enviado pelo escritor, professor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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