Por Rangel Alves
da Costa*
No último
domingo, dia 26, repassando alguns livros da estante, fixei o olhar em “Morrer
Para Viver – A Luta de Tito de Alencar Lima contra a Ditadura Brasileira”, um
alentado relato biográfico (710 páginas) escrito por Ben Strik. Imediatamente
recordei do velho amigo que deixara de dar notícias desde mais de ano.
Corri ao
computador para ver se encontrava alguma informação e eis que encontro o que
menos esperava: o anúncio de sua morte em 12 de março deste ano. Portanto, já
há cerca de sete meses. E li que Ben faleceu em sua casa em Rucphen, Holanda,
aos 91 anos, após acometimento de enfermidade. Nascido a 03 de março de 1923,
seu desejo era chegar aos 101 anos, a mesma idade com que sua mãe faleceu.
Após a tardia,
porém sempre triste notícia, me pus a recordar os primeiros contatos que com
ele mantive, via email, bem como de sua visita, juntamente com sua esposa Patty
Strik, à minha residência na capital sergipana. Já era noite e os dois chegaram
acompanhados por José Paulino da Silva, anfitrião dos dois nas terras
sergipanas, reconhecido historiador, escritor, folclorista e professor
universitário aposentado. Trazia na mão seu precioso livro, que calmamente se
pôs à dedicatória.
Relembro agora
aquele senhor alto, de uma tez clara avermelhada, cabelos bons e
esbranquiçados, cheio de alegria e jovialidade, com palavras que
verdadeiramente encantavam. Com o sotaque entrecortado pelo seu holandês de
origem e o português aprendido pelos longos anos na sua missão brasileira, Ben
falava de seus novos planos e projetos, tanto para a juventude brasileira como
para a holandesa.
Ben Strik foi
homem múltiplo, de mundo, de muitos planos e objetivos, de muitas missões, e a
maioria delas concretizadas por onde passou. Religioso, ex-sacerdote,
missionário, escritor, compositor, cantor, evangelizador, engajado
politicamente, muito fez pelos campesinos brasileiros na sua luta pela reforma
agrária. Em nome da Igreja, atuou com eficiência para manter entre as forças
governamentais e os movimentos sociais.
Em um texto
intitulado “A correspondência de Ben Strik”, publicado em fevereiro de 2011,
assim me referi ao grande homem:
“Ao entardecer
deste último dia 23, fevereiro de 2011, estava eu tecendo meus escritos com
pedra e cinzel quando me chega uma correspondência de longe, bem longe, e
enviada por alguém que jamais imaginaria fosse lembrar-se de minha existência
nesses tristes trópicos. [...] Trata-se de Pater Bernard Strik, ou simplesmente
Ben Strik, um senhor de 88 anos, ex-partisano da guerra de 40-45, padre casado,
que dedicou boa parte de sua vida sacerdotal à difusão de uma igreja
verdadeiramente mais presente junto às populações pobres e carentes,
principalmente nas regiões mais distantes e esquecidas do Brasil.
Sacerdote,
escritor, cantor, palestrante e senhor de todas as lutas, nasceu em 1923 e lutou
contra os nazistas alemães na Segunda Guerra Mundial. Sua luta contra o nazismo
custou dois anos num campo de concentração na Alemanha. Depois se tornou
sacerdote salesiano e em 1950 partiu para o Brasil onde trabalhou até 1972
entre indígenas, jovens e camponeses.
Voltando à
Holanda, casa-se (Patty, sua esposa) e cria, já completados 75 anos, três
fundações de ajuda ao Brasil: Brasil op Weg, Frei Tito de Alencar Lima e
Brasilhoeve. Adepto e defensor da Teologia da Libertação, a partir daí recomeça
sua peregrinação missionária pelo país, agora para sentir os resultados das
sementes que havia plantado. Sempre inspirado na visão de uma igreja
materialmente construtiva, se lançou ainda a outros projetos, catando recursos
aqui e ali, para levar adiante seu sonho de transformação social.
[...] Ao
chegar ao Brasil para cumprir sua missão, aqui estudou e trabalhou 22 anos como
padre Salesiano de Dom Bosco. O reconhecimento pela sua dedicação às causas
missionárias pode ser visto na profunda amizade que adquiriu junto a Dom Paulo
Evaristo Arns, que com festejou naquele país baixo o segundo lustro de uma de
suas fundações. Do mesmo modo mantinha estreitos laços de amizade com Dom José
Brandão de Castro, falecido arcebispo da Diocese de Própria, em Sergipe, e um
dos religiosos mais influentes do Nordeste.
Na sua
peregrinação na aridez sertaneja, formou com os grupos de base da igreja
católica uma verdadeira cruzada para ajudar os fiéis a conquistarem meios de
sobrevivência digna, através do trabalho e da produção. Neste sentido, em 1986
esteve presente na primeira ocupação que os trabalhadores empobrecidos fizeram
na improdutiva fazenda Barra da Onça, município de Poço Redondo, em Sergipe.
Até hoje o MST reconhece o seu apoio para que as outras grandes conquistas se tornassem
possíveis.
Natural da
Holanda, neste e em outros países europeus empreendeu uma verdadeira via-crúcis
para adquirir recursos e investimentos para serem repassados às obras sociais
que criou por todo o país. Neste sentido, criou ONG’s, Associações e Fundações
que continuam dando excelentes frutos em estados como Rondônia [...]”.
Desde aquele
primeiro contato muitos outros se seguiram. E a amizade se fortalecera tanto
que certa feita enviou-me importante e sigiloso material sobre a atuação do
clero e dos movimentos sociais no sertão sergipano, tecendo críticas e
mostrando, documentalmente, desvios de condutas e objetivos.
Depois de
tanto silêncio a notícia triste. E revendo sua dedicatória, saudosamente
avisto: Caríssimo Rangel, que a nossa luta pela verdade e pela honestidade
surta efeito pelo bem dos sertanejos. Aracaju, 24/10/2011. Ben e Patty Strik.
Poeta e
cronista
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