Por Joab Aragão
Ao padre
Osvaldo Carneiro Chaves, nascido no sítio Angelim, nos sertões de Granja.
Exemplo maior de virtude, ética e dignidade.
Joab Aragão
Em duas partes
de chão que, somadas, totalizavam cento e quarenta hectares, meus avós maternos
criaram doze filhos. Madrugadinha, no quebrar da barra, todos estavam de pé,
cada um ciente dos afazeres do dia. Os homens, para as tarefas do roçado e do
criar; as mulheres, para a luta doméstica. Faina diária que se prolongava até o
início da noite, numa casa simples de pessoas mais simples ainda. O roçado
produzia feijão, milho, arroz e farinha de mandioca para o ano todo. Dos
chiqueiros abatiam-se porcos, carneiros e bodes para o fornecimento de carne. O
terreiro supria, com capotes, perus e galinhas, a dieta feita com aves
saborosas. Das capoeiras provinha o algodão, que funcionava como fonte de renda
para a compra do vestuário e da aquisição de gêneros não produzidos no meio,
como café, rapadura, sal, querosene, e outras necessidades. Temperava-se o
feijão com toucinho, produzia-se a banha e fabricava-se o sabão da terra, feito
de óleo de oiticica e soda cáustica. Do leite retirava-se a nata, a coalhada e
alguns quilos de queijo.
Viver bem
modesto, numa terra sem luxo, quase sempre à espera de chuva.
De banco, o
velho Antônio João, meu avô materno, conheceu apenas os de madeira, sobretudo
os de aroeira trabalhada por mestre carpina, principalmente o que ficava
encostado à parede da casa, debaixo do alpendre, pouso dos amigos para uns
dedos de prosa. A pequena, ou melhor, a ínfima poupança era guardada na ponta
de um lenço no fundo de um antigo baú, num quarto escuro, chamado camarinha.
Jamais contraiu empréstimo. Nunca fez negócio porco, ou seja, nunca trapaceou.
Do chão seco do sertão, aguado com chuvas e muito suor do corpo da família,
retirou, segundo os versos do cantador paraibano Ivanildo Vila Nova, o pão da
vida.
Seca no
sertão, e molhada no inverno, a terra parecia mais promissora.
Sobral, na
época, possuía indústrias de beneficiamento de mamona, oiticica, cera de
carnaúba, algodão e peles. O sertão, a despeito das incertezas motivadas pelas
secas, produzia bens de exportação e de subsistência.
Mas, pouco a
pouco, os filhos do casal, arrumados os casamentos e gerados muitos filhos, admitiram
que a terra, outrora dadivosa, tornara-se madrasta. Resolveram migrar para a
cidade. Juntos, com eles, foram centenas de outros sertanejos, porque os custos
da produção superaram os benefícios colhidos.
Esta
historieta, tão sem graça, nada acrescenta ao conhecimento do despovoamento dos
nossos sertões. História igual à de tantas famílias que abandonam suas casas,
sua terra, sua cultura e vão, enganosamente, sem o cajado de um Moisés, à
procura de uma falsa Canaã, plantada nas periferias dos grandes centros.
Empobrecido, o
sertão não produz sequer os próprios sertanejos. A terra exaurida, os custos
excessivos de produção, a massificação da televisão, os roubos de animais, a
aculturação desenfreada, a inversão de valores. Tudo isto concorre para desmotivar
as atividades agropastoris da nossa região e a transformação de costumes
salutares em modismos urbanizados
Sobral,
20.01.2001
Enviado pelo escritor, professor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
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