José Romero
Araújo Cardoso (*)
O marco do
triunfo dos europeus e das ideias que traziam o signo da Cruz, quando da
colonização brasileira, era a construção de igrejas católicas. A partir da
edificação de inúmeros templos, surgiram diversos aldeamentos na região
nordeste, bem como em diversos lugares espalhados pelo Brasil.
Em Pombal,
Estado da Paraíba, o testemunho dessa fase ainda se conserva através de
relíquia histórica representada pela igreja do Rosário. A construção, em estilo
barroco, se concretizou em devida promessa feita pelos conquistadores a Nossa
Senhora do Bonsucesso quando das fulminantes e mortíferas investidas dos
indígenas, precursoras do estilo de guerrilha que caracterizou dos salteadores
das caatingas, principalmente durante o século XIX e boa parte deste
passado. O “sucesso” foi pleno, registrando-se episódios surreais de pura
perversidade contra povos indígenas.
Inicialmente,
a capela onde os colonizadores agradeciam o “sucesso” do massacre, era uma
tosca choupana erigida por aventureiros a serviço da famosa Casa da Torre. O
genocídio da brava tribo Pego, bem como de inúmeras outras nações indígenas,
verdadeiras donas da terra, se completava, afastando dessa forma a ameaça dos
sucessivos e surpreendentes ataques aos colonizadores, e, também, talvez
principalmente, aos rebanhos de gado, razão econômica da expansão territorial
pelo sertão enfatizada pelos lusitanos em sua colônia nas Américas.
Em 1721,
quando a guerra dos “bárbaros” já integrava a memória dos antigos colonizadores,
embora ainda incompleta, a estrutura primitiva da tosca capelinha cedeu lugar a
uma perfeita obra de arte, com sinuosos traços arquitetônicos que se vinculavam
ao estilo vigente quando de sua construção. Ainda sobreviviam, nessa época,
tribos dispersas e acuadas, devido à desvantagem da defesa e do ataque
patrocinada pelas armas que dispunham. Resistiram poucos remanescentes das
heroicas contendas que marcaram os sangrentos embates que envolveram índios e
brancos quando das violentas pelejas que obstaculizaram tenazmente, durante dez
anos, o avanço das bandeiras colonizadoras.
A mão de obra
utilizada na construção da atual igreja do Rosário de Pombal envolveu índios
subjugados, escravos compulsoriamente inseridos na arriscada empreitada gerida
pelos poderosos prepostos do famoso império localizado na Bahia. Possivelmente,
trabalhadores livres também participaram da efetivação do marco da colonização
portuguesa, país católico por excelência, abrigou, durante longos séculos, da
nefasta e criminosa instituição da inquisição. O pedreiro responsável pela obra
de arte se chamava Simão Barbosa. Com certeza era um homem livre, embora
inserido em plano inferior dentro da hierarquia da orgulhosa elite privilegiada
da sociedade sertaneja agropastoril, a qual estava firmada sobre o reflexo da
estrutura social consolidada no litoral açucareiro.
Até o final do
século XIX os cultos católicos, direcionados a Nossa Senhora do Bonsucesso,
foram realizados na velha igreja em estilo barroco. Com a construção de novo templo,
concluído no início da década de noventa da referida centúria, o recanto de
oração dos cristãos da terra de Maringá à sua padroeira, passou a se realizar
na matriz inaugurada para receber a devoção dos fiéis. Originalmente
arquitetada com apenas uma torre, somente no final da década de cinquenta do
século XX foi construída outra.
A igreja do
Rosário só passou a ser conhecida assim depois que mítico negro de nome Manoel
Cachoeira conseguiu convencer o Bispo de Olinda a oficializar a festa em que se
observa nítida vinculação com manifestações religiosas impostas pelo
colonizador aos escravos que penavam no famigerado cativeiro, o qual deixou
marcas indeléveis. A mão-de-obra massacrada no trabalho estafante em canaviais,
minas, etc., elo importantes dentro da plantation, cuja característica era
englobar, além da escravidão, o latifúndio e a monocultura, sofre
humilhantemente, ainda hoje, com a permanência aviltante do legado maior do
escravismo: O preconceito e a exclusão. Esse sistema imposto pela metrópole
portuguesa assegurou o enriquecimento de alguns portugueses e de muitos
holandeses que comercializavam o açúcar brasileiro até a crise sucessória em
Portugal, a qual definiu a união ibérica.
Reza a
tradição que o fundador da festa do Rosário de Pombal fez três viagens a
Pernambuco, até alcançar o seu objetivo. Com certeza, houve contato de Manoel
Cachoeira com o folclore negro, extremamente rico nas plagas que palmilhou,
principalmente no que tange às manifestações culturais personificadas no
Reisado, nos Congos e na própria irmandade do Rosário, incorporados ao evento
religioso, denotando formas de resistência cultural. O ritual dos Congos é um
dos mais significativos, remontando à ênfase ao respeito de súditos à nobreza
de tribos africanas.
Três culturas
se fundem no ensejo da adoração ao Rosário. Inúmeras tribos islamizadas foram
trazidas da África para o Brasil, permanecendo traços culturais destas em razão
da presença do Tecebá, o Rosário islâmico, entre os dedos da imagem de Nossa
Senhora. Notar que o culto se destina mais precisamente ao Rosário, símbolo da resistência
dos descendentes dos filhos de Alá. Em seguida, enquanto signo da imposição do
colonizador católico encontra-se a presença do cristianismo, com Nossa Senhora
coadjuvando a expressão de Fé, e, finalizando com as evidentes marcas da
louvação que denotam a influência da cultura negra, considerada pagã pela
igreja Católica, de certa forma, em diversos momentos.
No início da
década de sessenta do século passado, Padre Acácio Rolim se negou a realizar a
festa do Rosário. A resposta da sólida cultura de Pombal se deu quando o povo,
não se importando com nada, lotou a cidade e realizou sozinho o evento
religioso. O sacerdote de nobre família cajazeirense se horrorizava com o
espetáculo alegre e festivo promovido pela irmandade do Rosário, o qual ele
considerava profano e herético.
Alicerçado em
indisfarçável racismo, este sacerdote considerava profana a manifestação negra
ao Rosário, desestimulando-a enquanto pôde. Depois da era Padre Sólon, quando
houve efetiva articulação de novos rumos da liturgia católica no município de
Pombal, a festa do Rosário passou a ser enfatizada de forma exponencial,
sobrepujando a tradição antes existente, referente à devoção à padroeira.
A igreja do
Rosário, patrimônio importante da História do semiárido, tombado pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, guarda, com certeza,
segredos nunca descobertos. Séculos de História a fez referência às inúmeras
gerações.
Sua
preservação é definida por lei. Nada pode atentar contra sua integridade
estrutural, pelo menos em tese. Na prática, foram registrados verdadeiros atos
de vandalismo contra a estrutura que guarda. Um pedaço da História
pombalense. Várias preciosidades foram destruídas enquanto produto da
insensatez daqueles que não enxerga a importância que o velho templo em estilo
barroco tem para a compreensão do processo que gerou a espacialização deste
núcleo da expansão metropolitana em direção ao desconhecido sertão de índios
bravios.
A igreja do
Rosário de Pombal é uma das maiores riquezas que a terra de Maringá possui, na
verdade patrimônio da humanidade em virtude que o legado de gerações pretéritas
é um bem coletivo que suscita conscientização acerca do papel que todos devemos
desempenhar na busca incessante pela preservação dos nossos testemunhos
Históricos, e, consequentemente, de nossa cultura e, mais ainda, de nossa
identidade, vilipendiada cotidianamente.
(*) -
Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Escritor - Assessor
da Fundação Vingt-un Rosado/Coleção Mossoroense. Especialista em Geografia e
Gestão Territorial e em Organização de Arquivos - Mestre em Desenvolvimento e
Meio Ambiente – PRODEMA – UERN - Sócio da Sociedade Brasileira de estudos do
Cangaço e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar - Sócio correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e do Instituto Cultural do Vale
Caririense - Contato: E-mail: romero.cardoso@gmail.com: Fone: (84)3312-0239.
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