Por: Rangel Alves da Costa(*)
PISADO,
O MENOR VERME SE REVIRA
Da pena arguta
de Shakespeare a sentença acima: Pisado, o menor verme se revira. E digo que
também reage, se indigna, busca afastar a agressão para revidar na medida, ou
mesmo em troco de maior monta. É instintivo que seja assim.
Toda ação
provoca uma reação, já dizia Isaac Newton. É da naturalidade do ser humano
reagir após uma provocação, uma mácula lançada de forma infame, uma violação à
sua integridade física ou moral.
Na frase
shakespeariana talvez o verme, após ser pisado se revire apenas para sucumbir.
Contudo, a intencionalidade parece ser outra. O minúsculo animal prontamente
desperta do seu estado natural, busca compreender a agressão, se livrar daquela
ação, para depois reagir.
Não há saída
para um ser minúsculo debaixo de uma botina. Se a pisada for violenta, abrupta,
intencional, haverá o instantâneo esmagamento. E numa situação assim não há que
se falar em qualquer tipo de reação.
Contudo, ao
não sucumbir no mesmo instante da agressão, ele buscará uma força até desconhecida
para se livrar da situação. E a se ver livre da segunda ameaça e encontrar
dentro si o impulso necessário para agir, poderá apenas fugir ou enfrentar a
realidade. É no enfrentamento que reside toda a força, seja num verme ou num
homem.
O ser humano nunca
foi verme, porém já foi tratado como tal pelo próprio homem. Já foi - e ainda
continua em muitas situações e circunstâncias - pisoteado, agredido, maltratado
por coturnos e botas poliacelescas, por desumanos patrões, por autoridades que
procuravam justificar seus poderes através da arrogância e da arbitrariedade.
Neste sentido,
aqueles vermes caçados como feras e jogados nos porões imundos da ditadura.
Atirados nas prisões sanguinárias e cubículos aterrorizantes, passavam a sentir
na pele e na alma toda a desonra física e moral que ao ser humano poderia ser
imputada. Porque tidos como vermes asquerosos, apenas isto.
E como vermes
começavam a ser torturados com altos requintes de crueldade. Cusparadas,
chutes, socos, pontapés, queimaduras, estupros. Sem falar nos afogamentos, nos
objetos perfurantes em brasa adentrando os orifícios, nas unhas arrancadas a
alicate, nas marcas de ferros quentes sobre a pele, no pau de arara e outras
atrocidades.
Tal era a
situação dos vermes que haviam conseguido sobreviver aos primeiros ataques.
Isto porque muitos outros viraram massa disforme e apodrecida debaixo das botas
dos generais e seus carrascos. Estes jamais conseguiriam impor qualquer tipo de
reação, vez que trucidados sem qualquer possibilidade de defesa.
Tidos como
vermes asquerosos, porém perigosos e ameaçadores, eram todos aqueles que
ousavam desafiar as proibições e imposições do regime ditatorial. Artistas,
intelectuais, jornalistas, escritores, pessoas simples e engajadas no processo
de contradição ao sistema, todos eram vistos como ameaças. E por isso mesmo
deveriam ser caçados e dizimados.
Muitos tiveram
de abandonar o País fugindo das perseguições, muitos foram misteriosamente
encontrados mortos ou simplesmente desapareceram, tantos outros que foram
encontrados e torturados jamais puderam ser os mesmos depois das sequelas
deixadas pelas dilacerações. Para outros, mesmo a liberdade passou a ser
dolorosa demais.
Contudo, todos
estes tidos como vermes pelas botinas da ditadura, já haviam se revirado antes
mesmo dos primeiros pisoteamentos generalescos. Ora, o próprio regime já os
sufocava, já os impedia de livre pensar e livre agir, e não há nada mais
degradante para um ser humano que ter de obedecer àquilo que fere os seus
princípios morais, políticos e humanos. Também à sua ideologia.
Toda a ação
ditatorial, com suas perseguições, proibições e brutalidades, já era sentida
como um grande e espinhento solado pairando sobre suas cabeças. Tidos como
vermes e podendo ser pisoteados a qualquer instante, prontamente reagiram. E
antes de qualquer outro desfecho.
E foi pela
reação, pela não aceitação ao ditatorialmente imposto, que aqueles tratados
como vermes escreveram páginas exemplares de lutas por um Brasil livre de
algozes e suas algemas. Ainda que atualmente outras botinas, calçadas por
outros pés, insistam em pisar na população.
Mas a situação
agora é bastante diferente. Ao invés de reagir, o povo acaricia, através do
voto, o solado maldoso do seu algoz. Há, contudo, de se imaginar que os
recentes protestos sirvam para alguma coisa. Impossível imaginar um povo que
grita, logo após covardemente silenciar nas urnas.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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