Por: Rangel Alves
da Costa(*)
O SILÊNCIO PROFUNDO DA LUA
Ouvi dizer que
na lua faz um profundo silêncio. Não há uma só voz, não há um só canto, nunca
se ouve um grito. Também não há murmúrio, um sussurro de amor sequer. Mas não
acredito.
Não acredito
pelo que, aqui de baixo, imagino e enxergo lá em cima. Não poderia ser tão
silenciosa se ali moradia de São Jorge, do dragão e de tantos mistérios
existentes. Contudo, não é por isso que desacredito no silêncio da lua. Muito
mais há para que eu pense assim.
Pelo
significado da lua já é fácil perceber da impossibilidade de seu profundo
silêncio. Lua é poesia, é romantismo, é magia, é sonho, é asa e voo, é vontade
e desejo, é canto e canção, é promessa de amor, é encantamento e fascínio.
Não tão belo
assim, mas a visão da lua, principalmente quando está cheia, imensa, com brilho
contagiante, faz despertar no sentimento situações angustiosas e aflitivas. A
saudade, a recordação, a relembrança, o passado que povoa o instante, a imagem
surgida de algo tão doloroso.
O doido é a
prova maior do ruído lunar. Nos dias de lua cheia, naqueles instantes em que
sua mente se toma de aflições, certamente que ele ouve não só a palavra, mas o
grito da lua. E num chamado tão intenso e impulsivo que procura responder a
qualquer custo. Por isso quer voar, ergue as mãos naquela direção, se entrega
voraz à misteriosa e atraente luminosidade.
No negrume da
noite, debaixo da lua, no murmurejar da natureza pelos descampados, o ser
caminhante dialoga incessantemente com a lua. Seus olhos dizem tudo, a boca
também se abre de vez em quando. E surgem as perguntas, as indagações, a busca
de respostas para a sua solidão, o seu desamor, o seu entristecimento, os seus
sonhos e desejos ainda não realizados.
Por tudo isso,
e muito mais, não posso aceitar que a lua permaneça calada, inerte em qualquer
palavra, apenas existente na sua grandeza. Na sua própria dimensão é possível
ouvir sons, alaridos, canções. É um imenso salão iluminado, com candelabros e
abajures multicolores, acordes flamejantes que se espalham pelo universo. Ali
há certamente uma valsa, um baile romântico, cujos dançarinos povoam o nosso
olhar.
Talvez seja
pela sua constituição física, bem como sua distância, que levem a considerá-la
como silenciosa e triste. De solo inconstante e cheio de crateras, com mares e
rios sem água, se alastrando num deserto quase infinito. É uma imensa massa
circundante no espaço, girando e girando, mostrando suas faces tão
incompreendidas pelo olho humano.
Mais provável,
contudo, que o seu silêncio e aspecto entristecido sejam motivados pelas suas
faces ou fases. A maioria das pessoas pouco valoriza a lua cheia, bonita,
imensa, cheia de poesia; do mesmo modo dão pouca importância ao quarto
crescente e ao quarto minguante. Mas se volta para o alto precisamente quando a
lua está oculta no céu, na sua fase nova.
Na lua nova,
com ela escondida, sua face oculta passa a representar a própria pessoa e seu
olhar. A alma cadente, o espírito fragilizado, a angústia e outros sentimentos
pesarosos, tudo passa a se amoldar ao aspecto da lua que não é encontrada lá em
cima. A lua triste, escondida, silenciosa, perdida no breu dos tempos, passa a
espelhar o ser humano na sua noite espiritual, no seu tormento.
Daí o silêncio
profundo da lua. Não que ele exista, pois sempre vivacidade e luz no outro lado
de sua face, mas pela simbologia melancólica que passa a representar. Daí que a
fragilidade íntima impede de ouvir sua voz, o seu canto, o seu grito. No mesmo
silêncio profundo vivenciado pelo ser.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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