Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Cheguei à
Praça Fausto Cardoso, no centro da capital e local designado para o início da
manifestação, por volta das 15h40min. O centro comercial já estava com lojas
fechadas, e apenas algumas insistindo em permanecer abertas. Logicamente
impedindo que seus funcionários pudessem exercer seus direitos de cidadania.
A praça já
estava completamente tomada. Esta era a visão que se tinha desde o Calçadão da
João Pessoa. Atravessar a rua e passar para o outro lado significava ficar
comprimido em meio à massa contente, ansiosa para soltar o grito preso na
garganta, ávida para mostrar sua força de indignação.
Era uma
multidão contagiada, eufórica sem ser raivosa, fervorosamente decidida a dar
sua parcela de participação contra as mazelas que assolam Aracaju, Sergipe e o
Brasil. Logo se via que o povo estava ali com objetivos muito maiores que
simplesmente reivindicar a diminuição no preço das passagens.
Os dizeres
contidos nas faixas, cartazes, panfletos e no próprio corpo já mostravam
descontentamentos e reivindicações muito maiores. Enquanto uns mostravam
suas indignações contra a política e os políticos em geral, principalmente o
pastor da cura gay, outros repudiavam as precariedades na saúde, na educação,
nos gastos exorbitantes com a copa do mundo.
Nas esferas
estadual e aracajuana, repudiavam principalmente o modismo que se tornou de os
governantes e secretários recorrerem sempre ao Hospital Sírio-Libanês, em São
Paulo, enquanto os hospitais sergipanos, principalmente o Huse, prestam
atendimento da pior qualidade aos sergipanos. E um cartaz dizia, refletindo o
problema da tarifa de transporte e da saúde: “Enfie seus R$ 0,20 no SUS”. A
genial criatividade do povo.
Outras faixas
e cartazes diziam: “Queremos hospitais e escolas com padrão Fifa”, “Brasil,
vamos acordar, professor vale mais que o Neymar”, “Não à PEC 37”, “Ou acabamos
com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil”. Mas também textos
impublicáveis pelo seu conteúdo.
Contudo,
alguns aspectos podem ser citados como mais marcantes, eis que evidenciaram que
aquela multidão estava ali com espírito de luta por melhorias para a sociedade
e não para erguer bandeiras ou aflorar sentimentos partidários. Isto ficou
bastante claro quando quiseram transformar os carros de som em palanque
político.
Com efeito, estacionados
defronte ao Tribunal de Justiça, os carros de som mais tentavam deturpar o
sentido da manifestação do que qualquer outra coisa. Quem tentou falar o fez em
tom político e logo foi repudiado pela multidão. Mesmo num ato apartidário,
insistiram em colocar bandeiras de centrais sindicais e de partidos políticos.
A primeira
demonstração da força apartidária do povo se deu quando a multidão, aos gritos
de “Sem partido, sem partido”, por diversas vezes calou os que tentavam, de
microfone à mão, partidarizar a manifestação. Desse modo, agindo firmemente
para não deixar que o ato se transformasse em palanque, a multidão acabou
mostrando a desnecessidade daqueles quatro minitrios ali estacionados.
A segunda
demonstração de que o povo estava ali para mostrar sua força e não para
partidarizar a manifestação, ocorreu no momento marcado para o início da
caminhada. Negando todas as expectativas dos grupos políticos ali presentes com
seus carros de som, a maioria da multidão não aceitou fazer o mesmo percurso e se
encaminhou para o outro lado. Enquanto um grupo seguiu em direção à Praça
Olímpio Campos, o outro, apartidário, foi para os lados da Assembleia
Legislativa.
Ao perceber
que naquele momento a aglomeração se dividia e a grande maioria optava por
seguir reivindicando apenas direitos seus, tomando a direção da Av. Ivo do
Prado, um locutor quase enlouquece implorando para que não fizessem aquilo,
afirmando que dividido o ato estaria fragilizado. Mas o povo realmente não
queria saber de politicagem nem de bandeira partidária, e por isso mesmo tomou
toda a Ivo do Prado, nas duas pistas mais adiante. E prosseguiu pela Av. Beira
Mar numa multidão jamais vista na história aracajuana.
Segui esse
verdadeiro cardume reivindicatório. As duas pistas foram completamente tomadas
e era impossível ver o início da multidão. Nenhum policial foi avistado durante
todo o percurso, apenas dois helicópteros observando do alto o encorajamento do
povo. E tudo na paz, na tranqüilidade. Quando alguns quiseram esbofetear um
ônibus parado no meio de percurso, logo tiveram de ouvir: “Sem violência, sem
violência”.
Tive que
retornar e deixei aquele caudaloso rio sergipano seguindo em direção à praia. O
encontro das águas da força, da luta, da democracia.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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