sexta-feira, 21 de junho de 2013

PROTESTO EM ARACAJU: PRIMEIRAS IMPRESSÕES (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

PROTESTO EM ARACAJU: PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Cheguei à Praça Fausto Cardoso, no centro da capital e local designado para o início da manifestação, por volta das 15h40min. O centro comercial já estava com lojas fechadas, e apenas algumas insistindo em permanecer abertas. Logicamente impedindo que seus funcionários pudessem exercer seus direitos de cidadania.

A praça já estava completamente tomada. Esta era a visão que se tinha desde o Calçadão da João Pessoa. Atravessar a rua e passar para o outro lado significava ficar comprimido em meio à massa contente, ansiosa para soltar o grito preso na garganta, ávida para mostrar sua força de indignação.
Era uma multidão contagiada, eufórica sem ser raivosa, fervorosamente decidida a dar sua parcela de participação contra as mazelas que assolam Aracaju, Sergipe e o Brasil. Logo se via que o povo estava ali com objetivos muito maiores que simplesmente reivindicar a diminuição no preço das passagens.


Os dizeres contidos nas faixas, cartazes, panfletos e no próprio corpo já mostravam descontentamentos e reivindicações muito maiores. Enquanto uns mostravam suas indignações contra a política e os políticos em geral, principalmente o pastor da cura gay, outros repudiavam as precariedades na saúde, na educação, nos gastos exorbitantes com a copa do mundo.

Nas esferas estadual e aracajuana, repudiavam principalmente o modismo que se tornou de os governantes e secretários recorrerem sempre ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, enquanto os hospitais sergipanos, principalmente o Huse, prestam atendimento da pior qualidade aos sergipanos. E um cartaz dizia, refletindo o problema da tarifa de transporte e da saúde: “Enfie seus R$ 0,20 no SUS”. A genial criatividade do povo.

Outras faixas e cartazes diziam: “Queremos hospitais e escolas com padrão Fifa”, “Brasil, vamos acordar, professor vale mais que o Neymar”, “Não à PEC 37”, “Ou acabamos com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil”. Mas também textos impublicáveis pelo seu conteúdo.

Contudo, alguns aspectos podem ser citados como mais marcantes, eis que evidenciaram que aquela multidão estava ali com espírito de luta por melhorias para a sociedade e não para erguer bandeiras ou aflorar sentimentos partidários. Isto ficou bastante claro quando quiseram transformar os carros de som em palanque político.

Com efeito, estacionados defronte ao Tribunal de Justiça, os carros de som mais tentavam deturpar o sentido da manifestação do que qualquer outra coisa. Quem tentou falar o fez em tom político e logo foi repudiado pela multidão. Mesmo num ato apartidário, insistiram em colocar bandeiras de centrais sindicais e de partidos políticos.

A primeira demonstração da força apartidária do povo se deu quando a multidão, aos gritos de “Sem partido, sem partido”, por diversas vezes calou os que tentavam, de microfone à mão, partidarizar a manifestação. Desse modo, agindo firmemente para não deixar que o ato se transformasse em palanque, a multidão acabou mostrando a desnecessidade daqueles quatro minitrios ali estacionados.

A segunda demonstração de que o povo estava ali para mostrar sua força e não para partidarizar a manifestação, ocorreu no momento marcado para o início da caminhada. Negando todas as expectativas dos grupos políticos ali presentes com seus carros de som, a maioria da multidão não aceitou fazer o mesmo percurso e se encaminhou para o outro lado. Enquanto um grupo seguiu em direção à Praça Olímpio Campos, o outro, apartidário, foi para os lados da Assembleia Legislativa.


Ao perceber que naquele momento a aglomeração se dividia e a grande maioria optava por seguir reivindicando apenas direitos seus, tomando a direção da Av. Ivo do Prado, um locutor quase enlouquece implorando para que não fizessem aquilo, afirmando que dividido o ato estaria fragilizado. Mas o povo realmente não queria saber de politicagem nem de bandeira partidária, e por isso mesmo tomou toda a Ivo do Prado, nas duas pistas mais adiante. E prosseguiu pela Av. Beira Mar numa multidão jamais vista na história aracajuana.

Segui esse verdadeiro cardume reivindicatório. As duas pistas foram completamente tomadas e era impossível ver o início da multidão. Nenhum policial foi avistado durante todo o percurso, apenas dois helicópteros observando do alto o encorajamento do povo. E tudo na paz, na tranqüilidade. Quando alguns quiseram esbofetear um ônibus parado no meio de percurso, logo tiveram de ouvir: “Sem violência, sem violência”.

Tive que retornar e deixei aquele caudaloso rio sergipano seguindo em direção à praia. O encontro das águas da força, da luta, da democracia.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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