domingo, 16 de junho de 2013

O TEMPO PASSA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

Ainda relembram minha meninice, menino chorão e de bico na boca, raivoso que só. Do jeito que pormenorizam as memórias, até parece que foi ontem. Mas já faz algumas dezenas de anos. Eis que o tempo passa.

Encontro um amigo ou outro e pergunto como vai. E logo fico sabendo que já casou, tem filho crescido, tudo mudou. Então fico pensando como as coisas acontecem sem a gente se dar conta das transformações. Coisas do tempo que passa.

Volto ao sertão e encontro uma rapaziada de feições totalmente desconhecidas. Ontem, por lá, ainda eram crianças brincando, correndo pelo meio das ruas. E bastou uma pequena ausência para reencontrá-los quase adultos e irreconhecíveis. Tempo, tempo, que velozmente passa.

Ainda lembro a professorinha, ainda recordo a nudez do menino tomando banho pelas ruas em dias de chuvarada, ainda recordo a cartilha e a tabuada, ainda me vem à mente as frutas maduras astutamente recolhidas dos quintais sertanejos.


E também as brincadeiras de cavalo de pau, de fazenda de ponta de vaca, de bola murcha no descampado espinhento, de caçada aos passarinhos, de bola de gude com a mão certeira para acertar no buraco. Tudo parece que foi ontem. Mas como o tempo passa.

O vendedor de leite de porta em porta, os madrigais sertanejos anunciando o passo de um novo dia, o baleiro com sua tábua de doçuras, as cocadas branquinhas na janela, os doces de leite já colocados no copo è espera do comilão, a mulher do queijo, o homem da galinha de capoeira. Ainda vejo, ainda sinto, ainda ouço a voz. Mas já faz tanto tempo.

Parece que foi ontem O Império dos Sentidos, A Dama do Lotação, ET - O Extraterrestre, O Campeão, o primeiro A Gaiola das Loucas, Guerra nas Estrelas, O Poderoso Chefão, Carruagens de Fogo, Bom Dia Vietnã, A Sociedade dos Poetas Mortos, Central do Brasil. Mas só parece que foi ontem. Ao olhar a data, quando tempo já passou.

O passado, ainda que mais distante, nos chega numa velocidade de voo. A memória vai abrindo baús, trazendo cartas, retratos, segredos, pequenos escritos, e sentimos uma saudade de aproximação tamanha que parecemos voltar àqueles tempos. Tudo próximo, porém distante demais, e simplesmente porque ainda somos aquilo que já vivemos.

Pequenas recordações comprovam como o tempo passa à nossa revelia, sem autorização para levar quase tudo e deixar apenas saudade. O presente força sua passagem e de repente já estamos distantes do ontem, dos tempos passados. E o pior é que a passagem rápida do tempo nos deixa sem oportunidade de aproveitar o máximo de cada momento, provocando uma antecipada saudade.

Verdade é que tudo passa e nem metade do que nos envolve e passa pôde ser aproveitada. Somente mais tarde intimamente  chega a certeza de que deveria ter amado mais, beijado mais, vivido mais aquela pessoa, compartilhado mais de seus momentos. E então surge a melancolia pelo mais que deveria ser feito e não o foi por culpa do tempo. Ou da falta de nossa percepção naqueles momentos.

É fácil sentir como o tempo passa, e mais rapidamente do que se imagina. A fotografia já está amarelando, aquela roupa do retrato agora parece cafona demais, o corpo atlético deu lugar aos quilinhos indesejados, o espelho começa a revelar as inevitáveis transformações. Cabelos esbranquiçados, um olhar mais triste, um sorriso apenas forçadamente surgido.


E chega um amigo se mostrando admirado com a aparência, as crianças começam a chamar de tio, as outras pessoas tratando como senhor. E ontem o moleque, a criança traquina, o adolescente sonhador, o moço idealista, o adulto tentando não se distanciar do passado. E porque o tempo passa assim, logo começa a temer o futuro. Mas sempre se alimentando da vivência no ontem.

Eis que o tempo passa e passará. A estrada é pra frente e não se pode voltar. Em cada passo a relembrança, a saudade, o reviver o passado. Porém, há um espelho adiante. Adiante sempre haverá um espelho. E nele apenas o presente de cada um. Atrás apenas a fotografia, um tempo que passou.

E à frente o tempo que passará. Mas quem dera estar lá para vê-lo passar.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
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