Por: Rangel Alves
da Costa*
Era uma vez
uma montanha. Era uma vez um menino. Era uma vez um menino da montanha...
Morando ao
sopé da montanha, sempre ficava encantado quando voltava o olhar àquelas
alturas, onde tudo parecia misterioso, cinzento, coberto de nuvens.
Mesmo morando
ali pertinho, logo abaixo do monte, jamais tinha caminhado até lá, sequer se
aproximado das veredas íngremes e pedregosas que levavam ao desconhecido.
Um dia avistou
o avô chegando daqueles lados, mas estava calmo e tranquilo demais para ter
feito aquela descida sem estar completamente suado e reclamando de cansaço.
Perguntou-lhe
de onde vinha, e sorridente o velho respondeu que lá do alto da montanha. E sua
feição parecia tomada de alegria, ânimo e contentamento.
O menino não
disse nada, mesmo que achasse impossível uma pessoa envelhecida ter acabado de
chegar daquela altura e não demonstrar nenhum sinal do esforço realizado.
Após o velho
entrar em casa, o menino permaneceu olhando cada vez mais admiradamente em direção
à montanha. E assim permaneceu até a noite chegar.
Ainda no
entardecer, quando parecia paralisado olhando e olhando mais para o alto,
sentiu como se as cores do sol se pondo formassem um desenho estranhamente
belo.
No dia
seguinte, logo cedinho encontrou seu avô no mesmo lugar onde havia permanecido
tanto tempo e se viu forçado a perguntar o que havia lá no alto da montanha.
O velho, um
tanto espantado com a pergunta do neto, levantou o olhar naquela direção e
disse, quase pausadamente, que não havia nada demais lá em cima. Mas...
E olhando
profundamente nos olhos do seu, completou que era uma montanha qualquer, mas
que poderia se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
As últimas
palavras não foram bem entendidas pelo menino. Não sabia bem o que poderia
significar se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
O menino ficou
ainda mais intrigado, contudo resolveu não fazer mais perguntas. Já tinha em
mente o que deveria fazer ainda naquele dia, no momento mais adequado.
Quando se viu
sozinho, correu até o portal da primeira vereda e começou a desbravar os caminhos.
Em meio a mataria, garranchos, pedras e espinhos, foi subindo e subindo mais.
Olhava para
cima e só avistava subidas, dificuldades, ameaças. Cansado, parou um instante e
ficou imaginando como seu avô havia conseguido chegar até lá em cima.
Pensou em
retornar, porém queria mostrar a si mesmo que conseguiria. E não apenas isso,
pois sua intenção maior era alcançar o topo e lançar o olhar no mundo ao redor.
De repente,
percebeu que já estava chegando quase lá. Agora tudo parecia em degrau, sem
armadilhas ou dificuldades, com mato verdejante, flores e borboletas
multicores.
Colocou o pé
no ponto mais alto e logo se deslumbrou com a natureza exuberante ali
existente, o vento perfumado soprando e uma canção que parecia descer das
nuvens.
Os seus olhos
brilhavam a cada beleza avistada. Será aqui o paraíso? Indagou ao lembrar que
uma vez o seu avô havia falado que por ali existia um verdadeiro paraíso.
E lá do alto
lançou o olhar ao redor. Tudo imenso e belo, tudo numa paz inimaginável que
existisse, tudo perfeitamente criado por Deus. Deus? E se tomou de espanto.
Se ali era um
paraíso, com tudo maravilhosamente criado por Deus, então o Criador talvez
estivesse por perto. Sim, talvez isso fosse possível. E gritou pelo seu nome,
invocou sua presença.
E uma aragem
macia soprou ao seu lado, diante de sua face, ao redor. Sentiu uma presença,
ouviu uma voz. Sim, sei que está aqui. Também sei que aqui é a sua igreja, e
nela meu avô vem rezar por nós. Disse a si mesmo.
E, cheio de
felicidade e contentamento, ergueu os braços e fechou os olhos. E viu uma face
iluminada. Viu a face de Deus. E ao abrir os olhos já estava lá embaixo, no
sopé da montanha.
E um pássaro
de luz voava, retornando em direção à montanha.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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