quinta-feira, 13 de junho de 2013

MÚSICA CLÁSSICA AO ENTARDECER (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

MÚSICA CLÁSSICA AO ENTARDECER 

Indubitavelmente, ouvir música clássica faz bem em todos os momentos, desde o amanhecer ao sentir a lua. E mais adiante, no silêncio da madrugada.

Contudo, não é todo instante que ela tem o dom de adentrar no espírito, bailar na alma, despertar os sentimentos. Como um processo, sua fruição exige o atendimento de certos requisitos pessoais, ambientais, temporais e até climáticos. Ao menos penso assim.

Não consigo sentir qualquer prazer, fruir em profundidade sua melodia, se o barulho impede a viagem conjunta que necessariamente se faz. Daí que o maior silêncio possível se torna imprescindível para navegar nas águas, voar nas asas e passear nas nuvens das sonatas, noturnos, valsas, prelúdios, e muito mais.


Mesmo sem que eu esteja bebendo cerveja, uísque ou vinho, creio que um bom vinho se torna como um instrumento essencial para despertar a sinfônica dos sentimentos. Sorvê-lo junto aos acordes musicais é dançar a mesma valsa, viajar pelo mesmo noturno, avistar o olhar meigo do cisne à beira do lago. E depois dar passos nesse balé.

Nem som muito alto nem muito baixo. Contudo, difícil obter o volume exato quando se ouve, por exemplo, O Fortuna, da Ópera Carmina Burana, de Carl Orff, ou mesmo a Cavalaria Rusticana, de Pietro Mascagni. Os acordes quase silenciosos repentinamente irrompem de forma magistral.

Acerca do ambiente ideal, verdade é que não há nenhuma grande exigência para se ouvir música clássica. Existe, porém, alguns fatores que devem ser considerados. Tchaikovsky certamente se sentiria desconfortável ao ser ouvido em meio a multidões barulhentas, em meio a vozes que entrecortem sua música, em lugares que o próprio ouvinte não se sente bem.

Penso, sim, que a música pode ser melhor apreciada, saboreada, espiritualmente alcançada, em ambiente de silêncio e paz. Sempre bom ter uma janela aberta onde o vento bata na cortina e adentre trazendo um perfume bom. E da janela lançar o olhar sobre as paisagens, as nuvens, sobre tudo que inunda de prazer o singular momento.

Mas cuidado com a janela e também com o olhar. Certamente surgirá uma vontade imensa de voar, de seguir a revoada passarinheira que corta o horizonte naquele momento. E também - e tantas vezes ocorre assim - será momento de a saudade chegar, as recordações atiçarem o peito, trazendo antigas cartas e fotografias. Por isso cuidado com as lágrimas.

Mas prefiro a música clássica ao entardecer. Ainda que seja um noturno, sempre me cai melhor ao entardecer. Colocar na vitrola Schubert, Tchaikovsky, Mozart, Strauss, Lizst, Schumann, Offenbach, Vivaldi, Bach, Richard Wagner, Beethoven, dentre muitos outros, não há nada que supere a singeleza e a grandeza do momento.


A orquestra traz a plangência, a melodia, o encanto, o indescritível mistério do viajar pelas sinfonias, enquanto olhar se molha de por de sol, do vermelho-saudade do entardecer. E tudo parece tão sentimentalmente forte que de repente é possível se sentir como folha ao vento, como pedaço de nuvem, como a própria brisa que passa. E também viajar pelos salões suntuosos, onde as luzes de velas sopram ao sabor das valsas vienenses.

Tudo tão bonito adiante e dentro de mim, e pelo ar o voo da música, do barco com asas percorrendo o Danúbio Azul: “Danúbio tão azul, tão brilhante e azul, através de vales e campos, você flui tão calmo, nossa Viena cumprimenta, sua corrente de prata, através de todas as terras você alegra o coração com suas belas praias. Longe da Floresta Negra você se apressa para o mar dá a sua bênção para tudo. A leste de fluxo, acolhe seus irmãos, uma imagem de paz de todos os tempos! Os antigos castelos são visíveis de baixo para o alto, agradecendo seus sorrisos de suas íngremes colinas escarpadas, e vistas das montanhas espelham em suas ondas dançantes...”. Conheço a letra, viajo também.

E um pouco mais tarde, ao cair da noite, acendo a vela. E eis a valsa ali, à minha frente, no passo da chama que me chama ao contentamento com a grandiosidade da vida e sua tão bela música.

Ouça (Poesia)


Ouça


Não sei
se sei dizer
o que quero dizer
a você
do jeito que
queria dizer
sem dizer
mais nem menos
do que penso
dizer a você
mas se vou dizer
tenho a dizer
esse meu silêncio
sem nada dizer
esse meu grito
de nada entender
só fala em você
por amar você
por querer você.


(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
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