Por: Rangel Alves
da Costa(*)
A expressão
São João na roça, tão comum para indicar o autêntico e tradicional festejo
junino nas distâncias interioranas, já não serve mais para tal finalidade.
Agora tudo mudou, os valores foram invertidos e as comemorações ganharam
características bem diferentes. E numa incompreensível e inaceitável negação da
tradição junina interiorana.
O primeiro
aspecto dessa negação diz respeito à musicalidade. A autêntica música junina,
lastreada no velho e autêntico forró pé-de-serra, ou mesmo forró tradicional,
não conta mais nem com a sala de reboco, com o grande salão e muito menos com a
sanfona oito baixos, o zabumba, o triângulo, o pandeiro e o cantador.
Não
pretendendo ser nostálgico, mas a verdade é que é culturalmente injustificável
que se pretenda agora acabar de vez com manifestações típicas do povo
interiorano, ainda que o progresso insista em varrer a tradição e em seu lugar
colocar os modismos perniciosos. Mas é exatamente assim que está acontecendo,
ao se optar por transformar o São João em uma balada qualquer. E tudo feito com
bandas e grupos musicais voltados apenas para os mais jovens.
A moçada de
hoje talvez nunca tenha ouvido falar em Zé Aleixo, em Zé Goiti, em Agenor da
Barra, em Didi, no mestre Dudu do terno branco. Certamente também nunca ouviu
falar em Zé Calixto, em Pedro Sertanejo, em Abdias. E o que é pior, talvez nem
deem qualquer importância a Luiz Gonzaga e Dominguinhos. E se alguém perguntar
a um jovem sertanejo o que é forró ouvirá apenas que é uma música de sanfona,
ultrapassada e cafona.
Na verdade, a
juventude não está obrigada a mudar seus gostos musicais ou ter de passar a
apreciar as preferências, os costumes e as tradições de outros tempos. Cada
época possui sua própria feição e nela se mira a modernidade de então,
principalmente os mais jovens. Do mesmo modo, não poderia exigir a retomada de
valores culturais quando os responsáveis pela sua difusão são também os
responsáveis pelo seu esquecimento.
Tem-se, pois,
que a juventude não conhece mais o autêntico forró nem demonstra qualquer
interesse pelo estilo por culpa exclusiva de quem faz as contratações dos
grupos musicais para as festividades municipais, que geralmente são as
prefeituras, contando com o patrocínio de diversos órgãos e empresas privadas.
É na opção que se faz que a desvalorização cultural toma a feição de verdadeiro
absurdo.
Quem tiver um
tempinho pesquise na internet a programação dos festejos juninos dos municípios
sergipanos, até mesmo os situados na região sertaneja, e logo perceberá que
praticamente não há mais forró, não há mais o autêntico forrozeiro com sua
sanfona e muito menos um nome reconhecido no cenário nordestino. Pelo
contrário, encontrará programações que são as mesmas de uma micareta ou de um
carnaval. E em pleno São João.
E mais. Não há
trio nem grupo de forró, mas apenas e tão somente bandas, desde àquelas de
nomes mais tradicionais às novatas e de nomes esquisitos. Mas todas,
indistintamente, com uma musicalidade que pode ser tudo, menos forró, pois numa
mistura de axé, falso sertanejo e modismos de duplo sentido. E são as mesmas
bandas e grupos musicais contratados em épocas carnavalescas.
Os
administradores municipais pagam rios de dinheiro para deturpar o sentido dos
festejos juninos, atendendo somente aos gostos musicais da juventude
musicalmente descompromissada e, o que é pior, desrespeitam as preferências de
parte da população que gostaria de ter, ao menos um dia, um legítimo
representante do forró autêntico e tradicional. Se os direitos são iguais, esta
deveria ter o seu também respeitado.
Ainda que
colocassem as bandas nas praças de eventos como atrações principais dos
festejos, não seria nada demais oferecer opções de forró aos que não se deixam
levar pelas bandalheiras. Com o valor pago a uma única banda famosa é possível
contratar alguns forrozeiros bons e espalhá-los pelas cidades, atendendo os
anseios de parte da população e garantindo a preservação da cultura junina. Mas
não, parece que somente a juventude tem direito a festejar.
Nisso tudo,
desponta uma curiosa contradição. Lá no sertão, por exemplo, onde a tônica dos
festejos juninos deveria ser o autêntico forró, o que se tem é uma bandalheira
em cima de palcos e um povo se requebrando como se fosse balada; enquanto isso,
na capital, que nunca foi seio da sanfona e do zabumba, retoma a tradição
junina nos mesmos moldes de uma sala de reboco.
Enquanto lá é
a vez do Forró dos Plays, Garota Safada e Favorita do Brasil, dentre outras estripulias
juninas, por aqui ainda será possível dançar nos acordes da sanfona de Erivaldo
de Carira, Luiz Paulo, Edgar do Acordeon e Zé Américo de Campo do Brito. Ainda
bem. E que sirva de exemplo aos prefeitos interioranos.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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