Por:: Rangel Alves
da Costa(*)
BAILE
ANTIGO
Nunca fui de
dançar. Ou melhor, nunca soube dançar. Nem valsa nem música romântica, daquelas
que basta colar o rosto no outro rosto e praticamente não sair do lugar. Apenas
soltando palavras doces para impressionar. E talvez namorar.
Mesmo assim já
participei de muitas festas dançantes, muitos bailes no meu berço de
nascimento, Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Até organizei alguns
deles. Contratava bandas famosas na região e providenciava a festança no salão
onde funcionava o mercado municipal.
Naqueles
tempos, as bandas eram concorridíssimas em toda a região nordestina.
Indubitavelmente, a melhor de todas era a sergipana Los Guaranis, ainda ativa
em Lagarto. Mas também outras como Lordão, Tuaregs, R Som 7, Embalo D e
Dissonantes, dentre outras. E quanto mais aparelhagem e jogos de luzes mais
eram apreciadas.
E quando se
falava em baile com nome de banda boa, então a festa passava a ser o comentário
principal da cidade e redondezas, com a moçada ansiando pelo grande dia.
Momento único para conhecer novas pessoas, para começar namoros ou simplesmente
curtir, como diziam por lá. Na festa de agosto, na comemoração da padroeira da
cidade, era certeza de baile. Roupa nova, sapato engraxado, expectativa, era só
esperar o momento chegar.
Mas a
organização de um baile requeria dificuldades e esforços imensos. Em primeiro
lugar, era preciso encontrar um agente que tivesse uma banda à disposição para
determinada data; em segundo lugar, providenciar os cartazes e a venda de
mesas; em terceiro lugar, pedir mesas emprestadas de casa em casa, vez que não
havia mesas no próprio ambiente; em quinto lugar, varrer e lavar o mercado
inteiro, arrumar mesas e cadeiras, providenciar o sortimento do bar e a
acolhida dos integrantes da banda. Por último, a venda dos ingressos na entrada
e rezar para que tudo desse certo. Às vezes sim, outras vezes...
Contratempos
sempre acontecem em bailes, principalmente quando a cidade está em festa.
Alguns já chegavam ao salão em busca de confusão, outros reclamavam da falta de
banheiros, e ainda problemas com o espaço, com a bebida lá dentro e com as
pequenas desavenças por todo canto. Contudo, problema mesmo era quando a banda
contratada atrasava sua chegada, demorava muito para iniciar, ou simplesmente
não aparecia. Como algumas vezes aconteceu.
Entretanto, se
superados tais contratempos, o que se via durante a noite inteira era um povo
tomado de contentamento e disposição. Famílias inteiras ocupavam mesas, casais
se esfregavam pelos cantos escurecidos, namoros surgiam bem no meio do salão. O
salão escurecido, contando apenas com as luzes do globo que girava espalhando
pontos luminosos, então a rapaziada procurava exatamente o lugar onde menos se
avistava os dançantes.
Na parte
externa do mercado, principalmente nos becos, locais escuros e arredores,
acontecia muito mais que imaginava a vã filosofia sertaneja. Ali os namoros
perdiam as rédeas, os encontros furtivos aconteciam, os instintos eram
despojados. No dia seguinte surgiam as fofocas, as revelações, os fatos
inacreditáveis. E não era difícil que nove meses depois nascesse um ou outro
menino. Filho da festa de agosto.
Dentro do
mercado, o baile geralmente era dividido em um ou dois intervalos. Do mesmo
modo, havia um revezamento de músicas. Alguns instantes a banda tocava canções
mais agitadas e os dançantes se soltavam em requebros e rebolados; noutros
momentos se voltava apenas para o cancioneiro romântico, principalmente
sucessos internacionais antigos.
Mas em todos
os bailes que participei ou organizei, foi uma música internacional cantada por
um grupo brasileiro aquela que mais cativava os participantes. Quando a banda
começava “My mistake”, do Pholhas, todos pareciam tomados de emoção, com
sentimentos aflorados, instigados ao romantismo. E seguiam para dançar de
rostinhos colados, deliciosamente apaixonados.
E a linda e
inebriante canção: There was a place that I lived/ And a girl, so young and
fair/ I have seen many things in my life/ Some of them I'll never forget/
Everywhere.../ I was sent to prison/ For having murdered my wife/ Because she
was living with him/ I lost my head and shot her…
Tempos bons.
Romantismo nostálgico. Mas eis que os anos... Ah! O tempo, o tempo...
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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