Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
HORA E A VEZ DE QUARTÊMIO GIROLDO
Quartêmio
Giroldo nunca foi candidato a nada, nunca se meteu em qualquer disputa e talvez
nem saiba o que é política e como funcionam seus meandros e arredores. Por isso
mesmo é o melhor nome que existe, o mais qualificado para disputar um pleito
eletivo. E certamente ser eleito.
Se o povo
eleitor realmente gostar de candidato honesto, digno, que não tolera mentira
nem enganação, o nome escolhido deve ser o de Quartêmio Giroldo, sem qualquer
dúvida. Mas estará nas mãos do povo. E o que se espera dessa gente que tanto
reclama da classe política e dos seus governantes, é que faça a escolha certa
para depois não chorar o leite derramado, como sempre acontece.
Ou será que o
povo não tem jeito mesmo, reclama, esculacha, e depois vota no enlameado
candidato, repetindo o mesmo erro? Ao se confirmar a pouca e falível memória da
classe eleitora, certamente que Quartêmio não terá a menor chance. E
simplesmente porque será o candidato para contradizer tudo o que houver de
nefasto na política, sua desenfreada corrupção e seus acordos imorais.
Mas Quartêmio
está pensando muito antes de tomar qualquer decisão. Não antecipa nada porque
sabe como agem os políticos de plantão, tentando quebrar as pernas de qualquer
um que ouse atravessar seu caminho ou ameaçar sua futura eleição. Ele é
inocente no meio, nada sabe dos conchavos e do que se esconde debaixo do
tapete, mas sabe que se seu nome for bem aceito perderá de vez o sossego. O
inimigo estará em todo lugar, até mesmo no próprio companheiro de sigla
partidária.
Essa história
de ser candidato jamais havia passado nem perto da cabeça de Quartêmio. Mas um
dia um velho amigo, num proseado de fim de tarde, começou-lhe a insuflar
algumas verdades que foram se transformando em revolta e, ao mesmo tempo,
encorajamento para modificar essa situação e combater com unhas e dentes
algumas velhas práticas de se fazer política e governar.
Ouviu e deu
plena razão ao velho amigo. É inaceitável que o estado e os municípios, ao
invés de chamar para os seus quadros os melhores técnicos, as pessoas mais
capacitadas para o exercício das funções, coloquem toda a responsabilidade pela
governança nas mãos de apadrinhados, de partidários e de indicados. Quer dizer,
uma gente incompetente, bajuladora e preguiçosa, acaba tomando o lugar dos
melhores profissionais. Então dá no que dá. Uma máquina emperrada porque o
responsável outra coisa não sabe fazer senão receber seu polpudo salário.
Ao ouvir
coisas assim Quartêmio ruborizava, só faltava explodir de raiva. Mas continuava
prestando atenção no que o velho amigo dizia. E este acrescentava que já chegou
a hora de o povo abrir os olhos, e principalmente a memória, para combater
determinadas atitudes desavergonhadas da classe política. Ora, numa eleição um
ridiculariza o outro, acusa de tudo que for ruim, torna a pessoa mais
imprestável do mundo, e na próxima eleição já estão de braços dados, se
acarinhando. Fazem do esquecimento uma maneira de enganar a população, que
jamais deveria aceitar tais casamentos com interesses escusos.
Quartêmio
ficava a ponto de endoidar, de dar um treco e botar os bofes pela boca. Muitas
vezes queria falar, acrescentar outras palavras às verdades ditas pelo velho
amigo, mas a comoção impedia qualquer pronúncia. E continuava ouvindo. Mas tudo
culpa do povo, dizia o homem. Não é o povo que mata e morre em época de
eleição, cada um levantando a bandeira do candidato, espalhando seu discurso
mentiroso, e até ameaçando de morte qualquer um que seja adversário? Não é o
próprio eleitor que prega a cara safada na parede, que parece que não tem o que
fazer e sai atrás de caminhada e passeata, que fica de mal do vizinho porque
não vota no seu candidato? Para quem age assim, num bajulamento desmedido e na
esperança de qualquer esmola futura, mais tarde fica até difícil dizer que
político é feio.
Mas Quartêmio
Giroldo chorou quando ouviu o velho amigo dizer que a política precisava de um
homem sério igual a ele, honesto em tudo que faz, cidadão de uma cara só,
cumpridor de suas promessas, respeitador de todo mundo. Gente assim,
infelizmente, não serve para ser político, acrescentou o amigo. Contudo, não
custa nada ser candidato, ao menos para mostrar que nem todos são iguais aos
lobos que se apresentam como carneiros.
Após ouvir
tais verdades, e ainda emocionado pelas palavras de reconhecimento, naquele
mesmo instante Quartêmio anunciou que seria candidato nas próximas eleições.
Agora seria sua hora e sua vez. A notícia passou de boca em boca, a aceitação
foi a melhor possível, mas já tem político graúdo com mandato querendo se
aproximar. Mas a sua preocupação maior agora é não conseguir preservar o nome
honrado que sempre teve.
Confessou ao
velho amigo que, uma vez eleito, no primeiro fraquejamento que desse entregaria
o mandato e ia embora de vez. O outro disse apenas que não se esquecesse de
deixar o endereço, pois certamente iria visitá-lo em breve. E resumiu tudo numa
frase já carcomida pelo uso: Quem se mistura com porcos farelo come.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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