Por Rangel Alves
da Costa*
Desde 1974 que
me divido entre duas cidades: Aracaju e Poço Redondo. Em Poço Redondo nasci no
mês de março de 63 e onze anos após tive de deixar o sertão para estudar na
capital sergipana. Desde então fiquei dividido entre as duas localidades tão
diferentes e contrastantes.
A bem dizer,
fui quase forçado a sair de Poço Redondo. Naquela época, toda família que
tivesse condições não pensava duas vezes em enviar os filhos para estudar num
centro mais avançado e possibilitar o sonho de uma boa formação. Foi nesta
perspectiva de estudo que tive de calçar sapato e abdicar da vida de menino
sertanejo sem se preocupar em pisar espinhos.
Ainda hoje não
me sai da memória aqueles doces anos da vida, de meninice vivida pelas ruas
empoeiradas, de correrias pelos descampados, das brincadeiras pelo mato, no
riachinho, debaixo do sol e da lua. Inesquecíveis a festança debaixo das
chuvaradas, os amigos pulando cercas em busca de fruta madura, as brincadeiras
com ponta de vaca e os jogos de botão pelas calçadas.
Cresci, quase envelheci,
mas Poço Redondo não mudou muito. Não que não tenha se desenvolvido em muitos
aspectos. Hoje a maior parte das ruas está asfaltada e a cidade cresceu pelos
arredores. Naqueles idos se falava em ruas, Rua de Baixo, Rua de Cima, Praça da
Matriz, e hoje existem bairros, conjuntos, uma feição totalmente diferente de
antigamente.
Quando afirmo
que não mudou muito é no sentido de minha visão pessoal sobre a cidade. Não
consigo avistar Poço Redondo senão como aquela minha cidadezinha de
antigamente, pois sempre procuro reencontrar aquele jeito singelo de viver,
aquela feição de humildade entre todos, aquele lugar familiar e onde todos eram
amigos, compadres e compartilhando os mesmos sonhos e esperanças.
Por isso mesmo
que quando visito o meu berço de nascimento, ainda me vejo diante de uma cidade
muito diferente da que se mostra agora. Na verdade, ainda me vejo menino e
ainda procuro avistar os amigos conversando às sombras dos pés de pau, ainda
quero encontrar o que não existe mais, ainda quero avistar a meninice correndo
atrás de uma bola, jogando bola de gude, ainda quero sentir a humildade em cada
porta e em cada feição.
Mas os tempos
são outros. Poço Redondo foi tomada de forasteiros e mais da metade da
população não tem qualquer raiz fincada no lugar. Muitas pessoas desconhecidas,
vizinhos que não se conhecem, poucos os cumprimentos afetuosos. Ora, sou de um
tempo de comadres e vizinhos pelas calçadas ao entardecer, velhas senhoras
fazendo renda, debulhando feijão de corda, conversando sobre as doces
amenidades na vida.
Talvez eu
consiga viver o novo sem esquecer o passado. Sorte minha. Por mais que Poço
Redondo se transforme, cresça e se desenvolva, ainda assim continuarei
avistando meu lugar de antigamente, de um passado tão belo como cativante. O
asfalto de hoje não me fará esquecido das ruas de paralelepípedo ou pedra
bruta, os conjuntos de hoje não me farão esquecidos da cidade pequenina e com
aquelas ruas de casas simples e portas sempre abertas.
Mas com
Aracaju é diferente. Apenas vivo, apenas moro, mas não sou de Aracaju. Já são
cerca de quarenta anos convivendo com seu dia-a-dia, mas ainda assim tão
ausente como se jamais tivesse chegado um dia. Inegável sua beleza, suas
praias, seu jeito ainda interiorano de ser, mas não consigo me acostumar com o
que pouco tem a oferecer a quem se acostumou a amar a vida e o bucolismo
sertanejo.
Caminho pelas
ruas de Aracaju sem a emoção que desejava sentir. Apenas ando, apenas passo,
apenas sigo. Gostaria de ter segurança para passar tardes inteiras na Ponte do
Imperador ao redor das águas, avistando a Barra e refletindo sobre a vida.
Gostaria que houvesse ao menos um banquinho na praça defronte a Catedral.
Gostaria que Aracaju não perdesse sua feição interiorana sem oferecer aos seus
o prazer de conviver com sua natureza.
Assim, moro em
Aracaju como um bicho forçado a fugir de sua mata. Por isso que me refaço
inteiro quando retorno ao sertão. E quem tem o sertão na alma jamais se
acostuma com o amanhecer noutro lugar.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário