Por: Rangel Alves
da Costa(*)
ENTRISTECIDA
Quem a
avistasse não tinha outra sensação: ela estava triste, entristecida. O problema
é que vinha assim desde muito.
Imaginaram ser
algo passageiro, mas não. O outono passou e ela continuou abatida, melancólica,
infeliz.
Mas não havia
motivo algum para ser assim. Afinal, tão jovem, bonita, um verdadeiro encanto
aos olhos de qualquer um. Porém sem palavras, sem sorriso, sem qualquer
contentamento no semblante.
Não adiantava
fugir das pessoas, da família, dos amigos. Quando se trancava no quarto, as
paredes pareciam olhá-la piedosamente; a cama e o travesseiro só faltavam
perguntar por que vivia assim tão descontente e amargurada.
Ela sabia que
sentiam assim, e dava graças a Deus porque ainda não tinha sido interrogada
pelos objetos do seu próprio quarto. Não tinha o que responder, intimamente
sabia. Contudo, não teve a mesma sorte lá fora, adiante da janela, ao redor de
casa.
Verdade é que
fugindo das pessoas costumava se afastar de casa e ficar sozinha ao lado das
plantas, sentada no banco do jardim ou mesmo em cima de uma pedra que havia por
ali. E foi diante desses seres inesperados que teve de revelar seus
sofrimentos.
Ao tocar numa
flor, ouviu: Por que vive tão triste?
E respondeu:
Não sou triste, apenas não escondo o que me aflige. E nem me faça revelar um
dos motivos para minha aflição.
A flor
insistiu: Não revele, mas você não tem motivo algum para ser assim. Parece uma
flor da mais bela das estações...
E já
lacrimejando ela falou: Flor, bela flor. Menina que mais parece uma flor. Oh quanto
isso me dói ouvir isso. Nem imagina o quanto eu queria ser uma flor. Mas não
para que alguém chegasse, me achasse bonita e me arrancasse do galho, e ser
destruída instantes depois. E sim pela paz que transmite e pelo aroma sublime
que exala...
Saiu chorosa,
de cabeça baixa, sem ao menos ouvir o que a flor lhe tinha a dizer. E mais
adiante sentou no banco tomado de folhas secas. Estava mais triste ainda
quando, de repente, ouviu de uma folha ao lado:
Oh minha
linda, não cabe em ti tanta tristeza. Dê-me um sorriso que direi quantos
jardins há em teu semblante...
Ao abaixar a
cabeça e olhar quem falava, acabou molhando a folha com uma lágrima. E disse:
Mas não estou
nem sou triste. É que não vejo nem sinto nada que me traga alegria, me faça
sorrir ou me diga que amanhã será bem melhor. Apenas sou verdadeira, e se choro
é porque meus olhos desejam assim.
Ao que a folha
retrucou: Acredito nas tuas palavras, pois não posso desacreditar quem não tem
motivos para mentir. Contudo, sei que as lágrimas escorrendo dos teus olhos
possuem outros motivos.
Então disse a
mocinha: Oh mundo, oh vida. Jamais deveria revelar isso. Eu queria simplesmente
ser igual a você. Sim, uma folha, uma folha seca, uma folha morta, mas que
fosse lembrada por qualquer ventania da vida e levada para bem longe...
Disse isso e
levantou no mesmo instante, deixando a folha completamente encharcada de
lágrimas. E seguiu adiante, dando voltas pelos arredores, cada vez mais chorosa
e entristecida.
Estava nesse
intenso lacrimejar quando ouviu uma voz. Olhou para o lado e avistou a pedra
onde costumava sentar para alimentar seu entristecimento. E da pedra ouviu:
Nada
perguntarei sobre sua tristeza. Conheço em passo e remanso cada laço desse
lacrimejar. Sobre ti, silenciosamente ouvi e tudo senti. Mas agora decidi ser
igual a você. Vou inventar uma tristeza e sair chorando por aí. Quer chagar até
aqui e tomar o meu lugar?
Não. Respondeu
a mocinha.
Mas a pedra
insistiu: Serás a pedra e eu serei a flor que tu és. Venha para o meu lugar,
venha ser pedra. Levantarei agora e tomarei seu belo semblante, seu jeito doce
e sublime, seu rosto florido.
Não, não quero
ser pedra. Disse a mocinha. E do rochedo ouviu: Mas parece uma pedra. Não sabe
nem sorrir. Não sabe nem cantar.
Sei. Respondeu
a mocinha. E depois sorriu e cantou. E gostou de sorrir e cantar. E novamente
sorriu e cantou. E a pedra chorou de felicidade.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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