Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
MAR NO TELHADO
Toda vez que
entro no meu quarto e deito na cama pra dormir, eis que surge o mar lá em cima,
no meu telhado. Coisa estranha de acontecer, mas acontece. Deitado, antes mesmo
que olhe para o alto e já ouço o murmurejar das águas, as gaivotas voando,
aqueles sons de distâncias molhadas. O mar, imenso mar...
Esteja
chovendo, barulhando no telhado na cantiga do pingo grosso, ou o silêncio
tomando conta de tudo, nada importa, pois o mar sempre vai estar lá em cima.
Com luz acesa ou apagada, nenhuma diferença faz. As telhas balançam no alto, as
marés avançam e recuam, chego a avistar um barquinho solitário sem direção.
E ouço, como
entrando pela janela entreaberta, uma cantiga dolente de marinheiro, apenas voz
que se mistura às águas sopradas de brisa: “iá iê, iá iê, oní onã, iá iê, oní
onã, nê onã, iá iê, lê lê ô, iê oní onã, iá lê onâ, ê ô, oní onã, onã nã nã
naiê, ê ô...”. Porto, a mesma cantiga do mar de Gabriela.
Talvez eu
saiba por que sempre acontece assim. Ao deitar na cama, nunca virava de lado
nem procurava fechar logo os olhos para adormecer. Muito menos jogava cobertas
sobre o meu rosto. Posicionava-me virado para o alto e de olhos abertos começava
a imaginar, a pensar num monte de coisas.
Contudo,
diferente do que muitos fazem, nunca levei problemas para serem pensados ou
resolvidos em cima da cama, antes de adormecer. E não porque os momentos que
antecedem o sono e o dormir não merecem ser misturados com dissabores e
aflições. São apropriados, isto sim, para inusitadas viagens no pensamento.
Por muito
tempo misturei pensamentos. Um dia me via num castelo distante, num tempo mais
distante ainda, olhando do alto da torre a aldeia campesina mais adiante.
Noutro dia me via cortando caminhos, entrando em curvas, subindo e descendo
montanhas, em busca de uma igrejinha inexistente. Assim percorri o mundo, fui
quase tudo.
Mas tudo mudou
depois que comecei a pensar no mar. Olhava pra cima e era como se estivesse
avistando a imensidão de águas. E o mar grandioso me surgia com os seus sons,
seus mistérios, seus caminhos, seus habitantes, suas incertezas e aflições. Mas
também o mar de chegada e de contentamento. Por isso que já me vi marinheiro,
barco vazio, pedra de cais, gaivota e vento.
Da beira do
mar, apenas avistando o que infinitamente avança adiante, caminho pela areia,
sento na pedra grande, molho os pés nas águas misteriosas. Mas tudo triste,
solitário, apenas ouvindo o barulho das águas. Penso no castelo da sereia que
dizem morar ali, penso na ilha invisível que dizem existir adiante, penso no
barco que toda noite chega vazio na beira do cais. Encontro uma flor estendida
na areia e depois já estou dormindo.
Fico
imaginando em quantos portos, quantos cais e quantas margens aquele mar que
avisto desembarca. Chego a ver gente correndo, trazendo cestos e caçuás para
encher de frutas maduras chegadas no barco. Caixotes de peixes, caranguejos e
frutos do mar são derramados em imensos vasilhames para transporte. Uma bela
moça, trazida de uma ilha distante, é descida estendido numa maca. Adoeceu
depois de ser beijada pelo vento do entardecer.
Outras vezes
lá estou eu navegando sem rumo. Já em alto mar, com o vento da tarde açoitando
veloz, nada vejo ao redor que me tire da solidão. Procuro avistar uma revoada,
ou apenas um pássaro, mas nada surge no horizonte. Apenas nuvens negras,
pesadas, que lentamente caminham na minha direção. Uma tempestade se aproxima.
Mas não tenho
medo, não temo nada que venha desse mar. Mesmo que a ventania e a chuva forte
ameacem virar o meu barco, ainda assim não tenho medo. Estou com sono demais e
tenho certeza que adormecerei antes que a tempestade me alcance. E adormecido
por certo me chegará um sonho desembarcando numa ilha. E encontrarei seu
sorriso e braços abertos para o carinhoso afago. Meu amor chegou, ouvirei.
E na noite
seguinte, na hora de dormir, novamente encontrarei o meu mar no telhado. Mas
amanhã vou apenas escrever um poema na areia. E deixar que a saudade seja
levada para bem longe, nas distâncias das águas do mar.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta
e cronista
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